A awareness não é apenas um estado de atenção, mas uma presença plena no fluxo da experiência imediata. Envolve um despertar para o que se dá no aqui e agora, um movimento de abertura que nos convida a perceber não apenas o que sentimos, fazemos e pensamos, mas também aquilo que evitamos, buscamos e a forma como nos posicionamos diante da existência (Perls; Hefferline; Goodman, 1997). Mais do que um mero contato imediato com o presente, ela se revela como um caminho para a transformação, pois é através dela que reconhecemos e canalizamos as forças de mudança que emergem no campo, promovendo a autorregulação. No entanto, essa clareza não vem sem um preço: exige coragem para iluminar territórios internos que muitas vezes preferiríamos manter na penumbra.

Diante do desconforto, nosso impulso imediato é resistir, buscando refúgio em distrações que aliviem a tensão ou recorrendo a negações que, embora tragam alívio momentâneo, acabam interrompendo o fluxo do contato. No entanto, expandir a awareness exige um compromisso profundo com a presença no aqui e agora, uma disposição para não recorrer a atalhos que nos afastem do que se impõe – pois a transformação não acontece pela negação do que é vivido, mas pela travessia consciente da experiência.

É na sustentação do que emerge, no reconhecimento pleno do que está posto, que as forças do campo podem se reorganizar, convertendo a estagnação em contato vivo. O convite não é para conter essas forças, mas para habitá-las com abertura e entrega, permitindo que encontrem um espaço legítimo de expressão. Somente quando lhes damos passagem, quando deixamos que cumpram seu curso, elas deixam de ser obstáculos e passam a integrar nossa totalidade. É nesse movimento que a Gestalt-terapia se ancora, compreendendo a expansão da awareness, enquanto promotora de um contato mais pleno conosco, com o outro e com o mundo, como um de seus conceitos essenciais.

A ênfase na awareness transforma radicalmente a postura do terapeuta, afastando-o da lógica diagnóstica e prescritiva. Seu papel não é corrigir o indivíduo nem moldá-lo a um padrão normativo, tampouco traçar metas ou sugerir comportamentos. Diferente das abordagens diretivas, em que o terapeuta assume o papel de especialista que interpreta e propõe estratégias, aqui ele se coloca como facilitador do processo de descoberta do cliente. Não conduz por um caminho pré-definido, mas sustenta um espaço no qual o cliente possa perceber com mais clareza o que já acontece dentro de si e, a partir daí, assumir responsabilidade por sua experiência.

Como bem lembra Yontef (1998), na Gestalt-terapia não existe um “dever ser” imposto de fora, nem um caminho previamente traçado a ser seguido. O que se cultiva é o respeito absoluto à experiência do cliente e à direção que ele próprio encontra para si. A mudança emerge das forças já em movimento no campo, da tendência natural de ajustamento presente em todo organismo. O terapeuta, em sintonia com esse fluxo, sustenta o espaço em que o cliente pode se reconhecer, reorganizar-se e expressar-se com mais liberdade.

Por isso, a Gestalt-terapia se distancia de qualquer tecnicismo que reduza a clínica à correção de desvios em relação a uma normalidade idealizada. Não se trata de ajustar ninguém, mas de estar com. O terapeuta não é engenheiro da psique, juiz de condutas ou médico das feridas. É como um guia de montanha: não caminha à frente ditando rumos, nem empurra por trás os passos hesitantes, tampouco observa de longe lançando conselhos. Caminha ao lado, com presença, escuta e atenção. Não carrega um mapa universal, mas lê o terreno vivo da experiência do cliente: suas dores, seus risos, seus tropeços, seus êxtases. Cada pedra tem uma história, cada vento uma memória.

Às vezes, o cliente aponta para o abismo — o medo de não ser suficiente, a rejeição que ecoa, a exaustão de viver em alerta. O terapeuta não tapa o buraco nem distrai da vertigem: senta-se à beira e pergunta “O que você vê daqui?”, “Que nome tem esse vazio?”. E juntos escutam o eco que volta, não para decifrá-lo de imediato, mas para acolhê-lo como parte do caminho. Outras vezes, uma flor brota entre as pedras — um elogio recebido, um amor que começa, um projeto que pulsa. O guia se detém ali: “Você percebeu que sorriu ao dizer isso?”, “Como é sentir esse calor no peito?”, “Pode ficar mais um pouco nesse lugar de brisa?”.

Imagine o cliente que se emociona ao ser reconhecido numa reunião. O reflexo automático poderia ser investigar a ferida por trás dessa emoção, mas a clínica gestáltica não se resume à exploração da dor — é também celebração da inteireza. Acolher a vulnerabilidade, sim, mas também o excitamento. Porque viver plenamente exige tanto a coragem de olhar as feridas quanto a sensibilidade para saborear os instantes bons. O terapeuta se torna cúmplice desse instante, testemunha viva da potência que se revela: “Como foi ser suficiente ali?”, “Conseguiu relaxar os ombros depois disso?”, “Há quanto tempo não se sentia assim?”.

Ou aquele cliente que chega apaixonado. O discurso da precaução pode até querer se impor — “cuidado com a idealização”, “observe os sinais” —, mas se for o único olhar, empobrece o encontro. É preciso, antes de tudo, acompanhar o corpo que se abre, o peito que pulsa diferente. Só então caberá perguntar sobre os riscos, sem esquecer de perguntar também sobre o sabor da entrega.

E o cliente que fala de um sonho, de um projeto que o anima? A questão não é apenas se é viável, mas “O que vibra em você quando fala disso?”. O contato pleno não é passividade: é envolvimento vital. É quando o sujeito se funde com a experiência e permite emergir o que antes estava velado. É nesse reconhecimento radical da experiência que a Gestalt-terapia mostra sua beleza mais revolucionária: recusar-se a reduzir o ser ao sintoma.

Sim, o mal-estar existe. Mas ele não é tudo. Reconhecemos o trauma, mas também celebramos a potência. Ousar perguntar sobre os ombros que relaxaram, sobre o calor que preencheu o peito, sobre o gosto de uma escolha bem vivida. Às vezes, o gesto mais curativo é permitir que alguém se sinta inteiro em sua alegria.

Em termos gerais, buscamos favorecer dois níveis de awareness. O primeiro é a consciência do que emerge no campo fenomenológico: dor ou prazer, angústia ou alegria. O segundo é a percepção da atitude diante dessas figuras: padrões repetitivos, estratégias de evitação, máscaras, modos de fugir ou, ao contrário, de se engajar e comprometer-se. É um nível mais profundo, existencial: já não basta ver o que há no caminho, mas perceber como se caminha. Como reajo ao que sinto? Assumo ou evito? Escolho ou nego? Eis o cerne da arte terapêutica: não apenas facilitar o contato, mas despertar a responsabilidade.

A missão do gestalt-terapeuta não é diagnosticar anomalias, mas catalisar encontros. Ser a presença que convida à presença, o espelho que não deforma, mas revela, a mão que não empurra, mas sustenta. Sustentar o campo como altar, onde dores podem ser ditas sem vergonha e alegrias celebradas sem culpa. Não para dirigir o processo, mas para revelar o que se oculta no fluxo da experiência. Ser terapeuta, nesse sentido, é exercer um ofício sagrado: facilitar que alguém se veja — inteiro. Dolorido, sim, mas também luminoso. Rachado, mas ainda fértil.

Isso, porém, exige que o terapeuta também esteja inteiro, com as botas calçadas, disposto a fazer o percurso junto. Não em busca de respostas prontas, mas de presenças reais. Porque só quem se permite inteiro pode ajudar outro a também se tornar inteiro.

Uma psicoterapia centrada na awareness é também um espaço de frustração. Em vez de reforçar padrões que aprisionam, convida o cliente a se aproximar do que evitava. Esse movimento, no entanto, não pode ser invasivo nem precipitado, pois expor abruptamente pode erguer barreiras ainda mais rígidas. O processo exige sensibilidade e respeito, para que o cliente possa, pouco a pouco, reconhecer incoerências, sustentar dores e assumir sua responsabilidade existencial. Não são compreensões que possam ser impostas ou aceleradas: só se tornam genuínas quando emergem organicamente da experiência.

Enquanto muitas abordagens tratam o sofrimento como algo a ser eliminado, a Gestalt-terapia o reconhece como parte da existência, um dado a ser compreendido e integrado. Não se trata de resignação, mas de perceber que a dor muitas vezes aponta aspectos nossos ainda não vistos ou vividos plenamente. A clínica, então, não busca suprimir a dor, mas transformar a relação com ela — menos resistência, mais presença — para que possa ganhar significado dentro da trajetória da pessoa.

Esse processo reconecta o cliente consigo mesmo, com o corpo, as emoções, as escolhas e as relações. Não oferece respostas definitivas, mas devolve a potência de estar vivo de forma autêntica. Cada sessão se constrói no fluxo do encontro, em ritmo orgânico de abertura, desenvolvimento e fechamento. Para isso, o terapeuta precisa renunciar a roteiros fixos e confiar que a figura já busca emergir. Seu papel não é puxá-la à força, mas garantir espaço seguro para que possa se formar.

Não saber o que dizer, longe de ser problema, é convite para estar verdadeiramente disponível. É nesse espaço de confiança que as forças do campo se revelam e, quando o cliente se permite inteiro em sua experiência, a transformação se inicia.

A ampliação da awareness inaugura um processo de revelação em que desejos, receios, urgências, limites e aspectos alienados da experiência emergem à superfície da consciência como figuras clamando por reconhecimento. Não se trata apenas de ver mais, mas de perceber a configuração dinâmica do campo e as forças que nele operam. Nesse cenário, o terapeuta sustenta com delicadeza e firmeza a tensão do encontro. Cada microexpressão, cada silêncio, cada inflexão na voz ou brilho no olhar é percebido como fenômeno do campo, e não como detalhe irrelevante. Como lembra Zinker (2007), é trazendo esses eventos sutis para o foco da awareness que se abre a possibilidade de experimentação e reintegração. O terapeuta acompanha o fluxo da sessão com escuta atenta e presença aberta, disposto a se surpreender com o que emerge. A cada gesto, uma chance de ressignificação; a cada palavra, um convite ao contato mais genuíno.

A figura que se destaca nunca é isolada: é sempre expressão atual de uma necessidade relacional que busca atualização. Ao acolher essa figura sem pressa, o terapeuta cria um ambiente em que o cliente pode, enfim, entrar em contato pleno consigo e com o mundo, abrindo-se a novas possibilidades de ser (Ribeiro, 2011). Mas esse movimento traz também resistências, já que muitas dessas forças emergentes foram, ao longo da vida, negadas, rejeitadas ou patologizadas. Por isso, quando se tornam figura, surgem envoltas em culpa, vergonha e medo. É nesse ponto que os introjetos se revelam: vozes herdadas do passado que, alojadas no sujeito, operam como normas absolutas, ditando o que pode e o que não pode ser sentido. Fritz Perls descreveu essa dinâmica como o conflito entre o “dominador”, aspecto rígido que impõe regras inquestionáveis, e o “dominado”, a parte que deseja emergir mas se encolhe diante da censura interna. O resultado é um impasse: paralisia, sintoma, silêncio.

Ampliar a awareness significa iluminar essas frestas onde velhas verdades se escondem. Na linguagem gestáltica, implica trazer os introjetos à luz: crenças e mandamentos engolidos sem mastigação, que funcionam como muros entre o sujeito e sua experiência. Perls (2002) os comparava a alimentos mal digeridos, que precisam ser “vomitados e remastigados”: postos diante da consciência, examinados e metabolizados de maneira criativa e autêntica. Não são apenas ideias equivocadas, mas formas endurecidas de estar no mundo. Um homem que cresceu ouvindo que “demonstrar emoções é sinal de fraqueza”, por exemplo, pode ter aprendido a engolir a tristeza, endurecer na dor e calar diante da necessidade. O que foi imposto como força se transforma em prisão; o que parecia firmeza, em bloqueio; e a espontaneidade cede lugar à obediência cega.

O processo terapêutico, nesse sentido, não é exercício de convencimento racional, mas jornada fenomenológica: perceber o que se sente, o que se evita, o que se repete. É discriminar entre o que é atual e o que é obsoleto; entre escolha e automatismo. Ampliar a awareness é afiar a capacidade de diferenciar, e assim ressignificar. O mandamento vira possibilidade; o muro, janela; e a janela se abre para o agora. O terapeuta não resolve o dilema de fora, mas sustenta com o cliente esse espaço de conflito. Acolhe tanto o dominador quanto o dominado como expressões legítimas do campo. Integrar, em Gestalt-terapia, é justamente reincluir o que foi exilado: reconhecer que até as forças temidas fazem parte da experiência e precisam ser escutadas. O sintoma, então, pode se revelar como voz legítima de uma necessidade relacional que busca expressão.

Esse caminho não é linear. É cíclico, marcado por idas e vindas, em que cada integração fortalece a pessoa no presente e expande sua capacidade de responder com autenticidade às demandas da vida. O campo torna-se mais nítido, menos enevoado por automatismos, e os ajustamentos passam a ser mais criativos, porque sintonizados com as forças reais da experiência. O conflito se transforma em escolha; a evitação, em presença. Integrar é abandonar a fragmentação, reconciliando-se com o que foi negado e devolvendo à consciência o direito de ser inteira.

A awareness não é lucidez abstrata, mas consciência encarnada. Não habita o olhar distante de quem analisa a vida de fora, mas se enraíza no corpo de quem se deixa atravessar pelo que sente. É uma consciência que não apenas compreende, mas treme; que não apenas percebe, mas se desarma diante da verdade do encontro. Há algo de profundamente humano em permitir-se vulnerável ao que escapa ao controle: a memória que retorna, o desejo que pulsa, a dor que insiste. Essa consciência encarnada não é adorno, mas ética: sustentar o aqui-agora sem amputações, reconhecendo tanto o desejo que impulsiona quanto a resistência que freia. Ser consciente, aqui, é reconciliar-se com o que foi alienado, assumindo inclusive o que fere ou envergonha. É abandonar o pedestal ilusório do controle e entregar-se, com humildade, ao fluxo da vida, como artesão e artefato ao mesmo tempo (Perls, Hefferline e Goodman, 1997).

Ampliar a awareness é, portanto, mais do que um exercício técnico de percepção: é um gesto radicalmente existencial. É ocupar o próprio lugar no mundo, resgatando a responsabilidade por ser quem se é, não como ideal distante, mas como compromisso vivo com a presença e a reconciliação. A revolução terapêutica não está em dizer o que fazer, mas em criar condições para que o cliente se encontre diante de si mesmo e diga, com coragem: “sou isso agora”. E, nesse reconhecimento, possa mover-se não mais a partir da fuga, mas do contato.

Por isso, ampliar a awareness é um ato de coragem e criatividade: coragem para sustentar a verdade da experiência, mesmo desconfortável; criatividade para reorganizar o campo de forma mais autêntica. É, enfim, viver enraizado na escuta profunda de si e em sintonia com a vitalidade sempre mutante do campo. Não como quem tenta controlar a vida, mas como quem finalmente a habita.

E, para o terapeuta, algumas orientações são preciosas: estar presente no aqui-agora; respeitar o ritmo do cliente; usar o corpo como fonte de informação; evitar rótulos e priorizar fenômenos; acompanhar a dinâmica figura-fundo; explorar em vez de explicar; frustrar habilidosamente para romper automatismos; adotar uma visão holística das experiências; e ampliar a awareness, iluminando gestalten inacabadas para que possam se dissolver no contato vivo.