A prática psicoterapêutica na Gestalt-terapia é orientada pela compreensão psicodiagnóstica e tem como finalidade promover o desenvolvimento humano a partir de três objetivos fundamentais. O primeiro deles é confirmar e fortalecer o autossuporte do cliente. Para isso, o heterossuporte se torna indispensável: a presença acolhedora e amorosa do psicoterapeuta, somada à atitude confirmadora que legitima a singularidade e os afetos do cliente, oferece as condições necessárias para que a confiança no contato possa florescer. Essa base de confiança torna possível confrontar impasses, sustentar vulnerabilidades e, sobretudo, desenvolver a autonomia, capacitando o cliente a assumir a responsabilidade por suas necessidades.
A relação terapêutica na Gestalt-terapia é alicerçada no encontro genuíno e confirmador. O terapeuta não se esconde atrás de neutralidades artificiais nem de papéis estereotipados, permitindo-se ser visto em sua singularidade. Ele também recusa a hierarquia em relação ao cliente, optando por uma relação horizontal entre dois seres humanos. Sua presença plena convida o cliente a também se abrir na relação, criando um espaço de cocriação em que autenticidade e empatia sustentam um solo fértil para a exploração de vivências profundas e significativas, sem medo de julgamento ou rejeição. Nesse contexto, o terapeuta não oferece respostas prontas nem aponta caminhos, mas atua como facilitador do processo que já pertence ao cliente, oferecendo-lhe o suporte necessário para atravessar dificuldades e descobrir novas possibilidades.
Assim como em outras abordagens humanistas, a Gestalt-terapia revoluciona o cenário clínico ao propor uma relação autêntica, em que o diálogo genuíno é a base para a construção de um espaço confiável de investigação compartilhada. É nesse espaço que o cliente é convidado a olhar-se com mais carinho e respeito, confiar em sua própria percepção e perceber que a mudança, mais do que a fixidez, pode abrir caminhos para uma vida de melhor qualidade (Ribeiro, 1999, p. 35).
O autossuporte só pode ser construído quando o indivíduo parte do que sente e de suas necessidades presentes. Essa é sua base, seu chão. Quando essa base é rejeitada, resta apenas um simulacro de si, sem verdadeiro apoio interno. O processo de mudança não acontece por coerção, mas de modo sutil: em algum momento o cliente percebe que passou a lidar de forma diferente com situações que antes o paralisavam. Essa transformação ocorre pela tomada de consciência — a awareness — que permite tornar-se, cada vez mais, quem se é. Trata-se de um movimento em direção à autenticidade e não ao polimento da neurose.
Nesse horizonte, o terapeuta é compreendido como pessoa e não como papel, como destaca Rogers. Holanda (2014, p. 92) lembra que tanto na Gestalt-terapia quanto em outras abordagens fenomenológico-existenciais, a fonte de conhecimento autêntico está na experiência imediata de si e do outro, e a relação terapêutica se sustenta no aqui-e-agora. A atitude do gestalt-terapeuta é, portanto, a de acolher a pessoa, validar seu excitamento e oferecer suporte ao processo de ampliação da awareness.
Se o adoecimento nasce nas relações, é também na relação que surge a cura. Por isso, a psicoterapia deve ser ao mesmo tempo apoiadora e frustradora, acolhedora e desafiadora, capaz de mostrar ao cliente de que modo ele próprio se interrompe e contribui para a repetição de seus impasses. O terapeuta atua como agente de novidade: gentil e empático, mas também firme ao apontar bloqueios, fugas e resistências, ajudando o cliente a se responsabilizar pelo protagonismo de sua vida.
A resistência, nesse processo, não é encarada como obstáculo, mas como oportunidade. Quando o cliente evita certos temas ou hesita em enfrentar situações difíceis, o terapeuta observa esse movimento com respeito, reconhecendo nele informações valiosas sobre medos e inseguranças. Essa postura favorece que o cliente avance em seu próprio tempo, explorando o que antes era evitado sem sentir-se coagido.
Ouvir antes de falar é um princípio ético e clínico, pois parte da confiança na capacidade inata que todo ser humano tem de se autorregular. O psicólogo, por isso, não indica direções prontas nem define o que deve ser feito, mas caminha ao lado do cliente em uma jornada conjunta de investigação profunda da vida, na qual são reconhecidas potencialidades, enfrentados desafios e resgatada a confiança nos próprios recursos.
A ênfase no aqui-agora e a compreensão do ser humano como uma totalidade integrada — biopsicossocial — abriram espaço também para o desenvolvimento de técnicas corporais e não-verbais na clínica gestáltica, como expressões artísticas, encenações, catarses e exercícios de awareness corporal. Essas práticas, no entanto, não são recursos mecânicos, mas expressões de uma mesma atitude terapêutica: a de sustentar o contato autêntico, apoiar a emergência do excitamento e facilitar o processo de integração, de modo que o cliente possa tornar-se cada vez mais quem é, no mundo e para o mundo.
É nesse espaço relacional que a confiança começa a florescer, pois o cliente percebe que pode se expor sem ser julgado, que sua experiência é válida e encontra eco no olhar do outro. Esse apoio externo não é uma meta em si, mas um alicerce para que, pouco a pouco, a pessoa se torne capaz de reconhecer e assumir sua própria força, construindo autonomia para responder às suas necessidades e enfrentar suas vulnerabilidades sem depender de confirmações contínuas. Fortalecer o autossuporte significa, portanto, conduzir o cliente a reconhecer que já possui dentro de si os recursos necessários para sustentar a vida e que pode responsabilizar-se por suas escolhas.
Esse processo conduz naturalmente ao segundo objetivo: a ampliação da awareness. Awareness, na Gestalt-terapia, é a consciência vívida e situada do que se sente, do que se pensa e do modo como se está em contato com o mundo no momento presente. Não se trata de uma simples tomada de conhecimento intelectual, mas de uma experiência encarnada, que envolve corpo, emoção e pensamento em um só fluxo. Ampliar a awareness é permitir que o cliente perceba os modos pelos quais repete padrões cristalizados, identificando como se interrompe, foge ou se protege de experiências que poderiam ser nutritivas. Essa consciência abre espaço para a autenticidade, pois ajuda a diferenciar o que é realmente próprio do que foi introjetado, o que nasce do desejo pessoal daquilo que foi imposto pelo ambiente. É pela awareness que a pessoa pode enxergar suas escolhas com mais clareza, reconhecendo as consequências delas e assumindo-as como parte de sua trajetória. O cliente percebe, então, que mudança não significa adequar-se a modelos externos, mas abrir-se à experiência viva, confiar em si mesmo e permitir que novos modos de ser emerjam de sua relação com o mundo.
Daí decorre o terceiro objetivo da Gestalt-terapia: estimular o ajustamento criativo. O ser humano está sempre em processo de ajustamento ao campo em que vive, isto é, ao conjunto de forças e demandas que o cercam. Quando esses ajustamentos se tornam rígidos, perdem sua vitalidade e passam a aprisionar a pessoa em padrões repetitivos, esvaziando a vida de novidade. O papel do terapeuta é ajudar o cliente a reconhecer essas fixações e a experimentar novas formas de contato que estejam mais alinhadas com suas necessidades atuais. O ajustamento criativo é, assim, a capacidade de inventar respostas singulares e flexíveis diante das situações, sem abrir mão da própria autenticidade. Esse movimento exige risco, pois implica abrir mão de velhos modos de ser que já não servem e permitir-se ser transformado pelo encontro com o novo. O terapeuta sustenta esse processo por meio de experimentos clínicos e de uma presença que, ao mesmo tempo, acolhe e frustra habilidosamente, mostrando como as resistências podem ser convertidas em assistências.
Os três objetivos — autossuporte, awareness e ajustamento criativo — não se realizam de forma isolada, mas em permanente interdependência. O suporte interno permite que a awareness se expanda; a awareness, por sua vez, revela possibilidades de novos ajustamentos; e os ajustamentos criativos reforçam tanto a confiança em si quanto a consciência da própria existência. É nesse fluxo que a Gestalt-terapia se revela como um caminho de transformação autêntica, no qual a pessoa é convidada a tornar-se cada vez mais quem é, em diálogo constante com o mundo que a cerca.
Ao longo de sua trajetória, Fritz Perls passou por uma significativa evolução em sua prática terapêutica. Inicialmente voltado para a psicoterapia individual, foi gradualmente questionando sua eficácia e se aproximando da terapia de grupo, que considerava mais potente. Para ele, esse contexto oferecia ao indivíduo uma oportunidade de contato mais autêntico com o ambiente, favorecendo o confronto e a exposição emocional verdadeira em um espaço protegido. Essa visão dialogava diretamente com a teoria de campo de Kurt Lewin e com os fundamentos da Psicologia da Gestalt, segundo os quais qualquer modificação em uma parte do sistema repercute no todo, de modo que até a psicoterapia individual carrega, inevitavelmente, uma dimensão social.
Ainda assim, Fritz não se restringiu à terapia de grupo. Nos últimos anos de vida, propôs a criação do chamado “kibutz gestáltico”, uma experiência comunitária que buscava ultrapassar os limites tanto da clínica individual quanto da grupal. Seu ideal era que a transformação acontecesse em um espaço de convivência contínua, em que os princípios gestálticos pudessem ser vividos coletivamente. Como afirmava Perls, “ninguém é autossuficiente; o indivíduo só pode existir num campo circundante”.
A Gestalt-terapia, nesse sentido, valoriza a inseparabilidade entre pessoa e mundo. O ser humano encontra-se dividido entre o desejo de autorrealização e as exigências sociais que o circundam, representadas desde cedo por figuras parentais e institucionais, que muitas vezes dificultam em vez de favorecer o crescimento. Por isso, a abordagem se volta para os aspectos interpessoais e sociais, reconhecendo a influência das dimensões culturais, políticas, familiares, educacionais e antropológicas na saúde individual. Em oposição a doutrinas autoritárias ou visões individualistas, a Gestalt-terapia defende a integração entre sujeito e ambiente, estimulando o reconhecimento de prioridades pessoais sem ignorar a responsabilidade diante do campo que o circunda.
Essa perspectiva implica também compreender a pessoa como um ser em construção. A Gestalt-terapia rejeita reducionismos que a expliquem apenas pelas experiências passadas ou pela herança biológica. Entende o ser humano como uma totalidade que integra aspectos físicos, psíquicos e sociais, expressando-se no aqui-agora de modo autêntico e significativo. É nesse ponto que a influência existencialista se evidencia, ressaltando liberdade, responsabilidade e autenticidade como eixos fundamentais da experiência.
Etimologicamente, psicoterapia significa “cura da alma”. Embora sua prática tenha assumido ao longo da história diferentes formas e significados, não se pode reduzi-la à medicina ou considerá-la uma concessão desta aos psicólogos. Na medida em que a psicologia construiu seu próprio campo, foi se afirmando como saber autônomo, responsável por pensar a experiência subjetiva e o cuidado com a existência. Assim, a psicoterapia não se limita a corrigir sintomas, mas se volta à totalidade da vida, compreendendo que o sofrimento emerge de impasses complexos na relação entre pessoa e mundo.
Ribeiro lembra que nenhuma teoria é definitiva: toda formulação sobre a personalidade ou sobre o processo terapêutico é limitada, provisória e situada. Uma psicoterapia que se torne prisioneira de sua teoria corre o risco de perder criatividade e se tornar até mesmo perigosa, caso o terapeuta transfira para o modelo — e não para si — a responsabilidade por seu pensar e agir. É por isso que, ao longo do tempo, teorias precisam ser relidas, contextualizadas e revisitadas, reconhecendo-se como frutos de experiências subjetivas e culturais.
O processo terapêutico, portanto, deve abarcar três níveis inseparáveis: a relação da pessoa consigo mesma, com os outros e com o mundo. Desconsiderar qualquer uma dessas dimensões significa reduzir o trabalho clínico a um abstrato, fadado ao fracasso. A psicoterapia, nesse sentido, é também uma ação social e política, pois não faz sentido isolar o sujeito de seu campo. Sua tarefa é favorecer uma visão mais real de si e do ambiente, ampliando a capacidade de escolha e a responsabilidade pelo viver.
Na Gestalt-terapia, a awareness — a consciência plena e situada — é central. Ela permite reconhecer os ajustamentos criativos que a pessoa desenvolve para lidar com o campo. Esses ajustamentos não são classificados como bons ou ruins, mas compreendidos como respostas às demandas do momento. O trabalho clínico convida o cliente a perceber quando seus modos de ser se tornaram rígidos e desatualizados, abrindo espaço para novas formas de contato. Nesse processo, resistências podem se transformar em assistências, desbloqueando possibilidades existenciais.
Perls, Hefferline e Goodman destacam que o crescimento depende da sustentação dos conflitos até que se encontrem soluções criativas. Quando os impasses são interrompidos prematuramente, a personalidade cristaliza padrões, tornando-se repetitiva, verbalizadora e desvitalizada. O oposto disso é a fala poética, expressão viva do organismo, capaz de revelar necessidades, afetos e descobertas. Nesse ponto, a terapia gestáltica enfatiza experimentos criativos no aqui-agora, que devolvem ao cliente a oportunidade de agir de maneira autêntica, em vez de repetir introjeções ou discursos alheios.
O terapeuta, nesse processo, atua como facilitador do contato. Utiliza a frustração habilidosa — recusando atender pedidos que reforcem as inibições — e propõe experimentos que encorajam novas formas de expressão. Trabalha com o campo, mas organiza o contato a partir do self, ajudando o cliente a restaurar a fluidez entre id, ego e personalidade. O id precisa recuperar sua energia vital; o ego, sua capacidade de discriminação no presente; e a personalidade, sua flexibilidade para sustentar novas figuras.
Mesmo diante de quadros mais graves, como a psicose, a Gestalt-terapia propõe intervenções voltadas ao fortalecimento do ego, à reconstrução da personalidade, à regulação dos impulsos e ao restabelecimento do contato com o ambiente. O foco é sempre a integração, respeitando o estado da pessoa e criando condições para que ela recupere gradualmente seu senso de identidade e pertença ao mundo.
A psicoterapia, em última análise, é um processo de reconexão com a própria experiência. Fazer psicoterapia é como construir pontes entre vivências fragmentadas, ajudando a pessoa a reencontrar lugares de si mesma que estavam perdidos, a experimentar novos roteiros existenciais e a acreditar que o risco da mudança vale a promessa de um viver mais pleno. Como lembra Ribeiro, trata-se de ajudar o cliente a fluir, a mobilizar-se a partir de uma nova consciência, a se perceber como um ser de possibilidades capaz de assumir sua singularidade.
A awareness é, portanto, a chave que transforma o sofrimento em aprendizado e crescimento. Ao iluminar os padrões cristalizados e abrir espaço para ajustamentos criativos, permite que o indivíduo reconheça o que lhe é nutritivo, assuma sua responsabilidade e se reconcilie com o fluxo da vida. A Gestalt-terapia, ao confiar nesse movimento, oferece não apenas cura de sintomas, mas um caminho de transformação autêntica e significativa, no qual a pessoa pode continuamente se reconstruir no contato vivo com o mundo
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