Na Gestalt-terapia, o psicodiagnóstico não é concebido como uma avaliação pontual ou um catálogo de sintomas, mas como um processo dinâmico, contínuo e fenomenológico de compreensão do cliente em sua totalidade. Essa visão rompe com dualismos como mente e corpo, indivíduo e mundo, interno e externo, entendendo todos os aspectos da existência como indissociáveis e em constante relação. O diagnóstico não se restringe à descrição de sinais clínicos isolados, mas busca apreender como a pessoa se organiza, como ajusta sua experiência ao meio em que vive e de que maneira influencia e é influenciada pelo contexto circundante.

Dessa perspectiva, não há processos isolados: a experiência individual é sempre uma configuração singular de múltiplas forças em jogo, tanto horizontais (as dinâmicas sociais e culturais que atravessam o presente) quanto verticais (as heranças inacabadas de gerações passadas). Assim, o psicodiagnóstico gestáltico considera que as neuroses não são apenas fenômenos intrapsíquicos, mas também expressões de conflitos entre a pessoa e as demandas de seu ambiente sociocultural.

Enquanto a psicopatologia tradicional tende a se concentrar em classificar sintomas e enquadrá-los em protocolos de tratamento, a psicopatologia gestáltica procura compreender a experiência imediata da pessoa, investigando como ela cria e recria seu sofrimento, qual o sentido existencial desse ajustamento e de que forma ele cumpre uma função protetiva no campo em que se insere. O diagnóstico, portanto, não se ocupa em rotular, mas em descrever os processos de contato e de bloqueio de contato que se fazem presentes. Busca-se entender o que a pessoa faz, como faz e para que faz, elucidar a função de suas interrupções e identificar como tais cristalizações podem ser dissolvidas de forma criativa.

A investigação se dá sempre no aqui e agora da relação terapêutica. O psicoterapeuta observa o modo como o cliente vivencia sensações, sentimentos e pensamentos no momento presente, sem impor interpretações predefinidas. O corpo é reconhecido como canal essencial de expressão e acesso aos processos psíquicos: postura, tom de voz, tensões, expressões faciais e movimentos revelam dimensões da experiência que muitas vezes não aparecem no discurso verbal. Cada gesto ou silêncio é tratado como informação valiosa para a compreensão do modo de ser da pessoa.

Essa leitura fenomenológica inclui também a experiência estética: ritmo, harmonia, intuição e criatividade são valorizados como expressões legítimas da existência. O terapeuta utiliza seus próprios sentimentos, ressonâncias e intuições na relação, tomando-os como indicadores para compreender o cliente. A relação terapêutica, portanto, não é apenas contexto para o diagnóstico, mas parte fundamental dele, já que o modo como o cliente se coloca na sessão revela sua forma de estar no mundo.

O psicodiagnóstico gestáltico não se reduz à identificação de problemas, mas busca compreender o sentido das cristalizações e o lugar que elas ocupam na vida da pessoa. Ele permite ao terapeuta acompanhar o cliente na exploração de dicotomias rígidas, padrões de alienação ou repetições de ajustamentos que bloqueiam o fluxo vital. Examina-se, assim, a relação desses padrões com o ciclo de contato e com as gestalten inacabadas, sempre em diálogo com as forças sociais, políticas e históricas que também atravessam a experiência.

Tratar a queixa como “figura” e investigar o “fundo” que a sustenta é um princípio essencial dessa prática. Isso significa deslocar o olhar de explicações causais e lineares para uma compreensão holística, contextual e relacional, em que cada fenômeno é visto como parte de uma configuração maior. Como observa Ribeiro (1985), o cliente é como uma sinfonia: cada nota tem importância, mas só ganha sentido no todo de suas relações dinâmicas.

Nesse horizonte, a Gestalt-terapia não se apoia em uma teoria de personalidade abstrata ou pré-estabelecida. Ao contrário, entende que cada pessoa é um projeto em curso, singular, heterogêneo e mutável, fruto de seu campo de relações. Por isso, em vez de tentar encaixar o indivíduo em categorias, busca-se descrevê-lo fenomenologicamente, em sua relação concreta pessoa-mundo. A análise diagnóstica, portanto, é processual: vai se definindo e se atualizando ao longo do tempo, conforme novos dados emergem e a experiência se desdobra.

A noção de campo, herdada de Lewin, é fundamental para essa compreensão. Pessoa e meio não existem separadamente, mas como um espaço vital, um fenômeno único e indissociável em constante transformação. Esse espaço vital é composto pela “pessoa” (sensações, pensamentos, necessidades, lembranças, valores, fantasias, cultura, história de vida) e pelo “meio psicológico” (pessoas presentes, eventos situacionais, pressões e recursos disponíveis). A composição entre ambos forma uma gestalt sempre provisória, em que significados emergem das interações e não são dados a priori.

Dessa forma, o psicodiagnóstico na Gestalt-terapia está enraizado em uma visão holística e ecológica, que rejeita dualismos e compreende o ser humano como uma totalidade integrada – um organismo animobiopsicossocial inserido em um contexto histórico e cultural. É uma prática que valoriza a singularidade, o momento presente e a interdependência indivíduo-ambiente, colocando em primeiro plano o “como” da experiência, mais do que o “porquê” ou o “o quê”.

Na clínica, isso significa considerar não apenas a fala, mas todas as formas de expressão do cliente: sintomas físicos, sonhos, reações corporais, modos de contato, padrões relacionais. Significa também reconhecer que diagnósticos convencionais, como “depressão” ou “TDAH”, podem ser compreendidos como respostas de ajustamento em relação ao campo, e não como essências estáticas. O foco não é a etiqueta diagnóstica, mas como aquela vivência se configura na relação e o que ela revela sobre as possibilidades e bloqueios do cliente.

O psicodiagnóstico, nesse sentido, é inseparável do prognóstico e da psicoterapia. Ele serve como mapa que orienta o caminho, mas não como sentença definitiva. É um processo que deve ser continuamente revisitado, acompanhando a transformação do cliente. Seu objetivo último não é rotular, mas favorecer a awareness e abrir espaço para que o cliente realize ajustamentos criativos, dissolvendo gestalten inacabadas e retomando sua capacidade de autorregulação.

Mais do que uma técnica, o psicodiagnóstico em Gestalt-terapia é uma atitude. Exige horizontalismo, atribuindo a mesma relevância a todos os fenômenos que emergem, sejam verbais, corporais ou relacionais, e imparcialidade criativa, que impede hierarquizar a priori o que é mais ou menos importante. Trata-se de acompanhar a pessoa em sua existência concreta, reconhecendo-a em seus aspectos corporais, psíquicos, espirituais e culturais. Como destaca Cardoso (2013), o interesse do terapeuta não está em aplicar técnicas, mas em compreender como a pessoa experiencia a si mesma no mundo, em plenitude ou em crise.

Assim, o psicodiagnóstico gestáltico se configura como um exercício de presença, abertura e compreensão fenomenológica. Ele não busca explicar, mas compreender; não visa encaixar, mas iluminar; não pretende encerrar, mas abrir possibilidades. Trata-se de uma prática viva, sempre em movimento, que acolhe a singularidade de cada ser humano como totalidade indivisível em relação com o mundo.

Na Gestalt-terapia, o psicodiagnóstico processual não é um exame fechado destinado a classificar o cliente ou encaixá-lo em um rótulo. Trata-se de um processo contínuo de compreensão do campo terapêutico, construído ao longo dos encontros, sustentado pela observação fenomenológica e pela escuta atenta do que emerge no aqui e agora. O terapeuta não atua como juiz que define quem o cliente é, mas como testemunha ativa do movimento entre figura e fundo, identificando necessidades, bloqueios de contato, recursos disponíveis e modos de ajustamento criativo que a pessoa manifesta. Esse diagnóstico é vivo e mutável, acompanhando as transformações do cliente, pois cada sessão configura um novo campo relacional.

Na prática, essa postura implica flexibilidade e presença, permitindo ao terapeuta rever hipóteses e ajustar intervenções à medida que novos elementos surgem. As intervenções são situadas, não se apoiam em técnicas pré-definidas, mas respondem à configuração atual do campo e ao nível de awareness do cliente naquele momento. O foco recai sobre o processo, e não apenas sobre o sintoma, buscando compreender a função que ele desempenha na autorregulação, em vez de simplesmente eliminá-lo. Essa abordagem sustenta um cuidado ético, evitando interpretações precipitadas ou enquadramentos rígidos que possam interromper o fluxo da experiência, favorecendo que o próprio cliente reconheça e integre suas partes. Em essência, o psicodiagnóstico processual é um mapa em constante redesenho: não aprisiona, mas orienta o terapeuta na sustentação de um espaço onde o cliente possa se encontrar e se recriar. É bússola, não sentença.

A awareness, por sua vez, não se limita a um estado de atenção, mas representa uma presença plena no fluxo da experiência imediata. É um despertar para o que se dá no aqui e agora, um movimento de abertura que nos convida a perceber não apenas o que sentimos, fazemos e pensamos, mas também o que evitamos, buscamos e a forma como nos posicionamos diante da existência (Perls; Hefferline; Goodman, 1997). Mais que um contato imediato com o presente, ela é um caminho de transformação, pois é por meio dela que reconhecemos e canalizamos as forças de mudança que emergem no campo, promovendo a autorregulação. Essa clareza, porém, exige coragem para iluminar territórios internos que muitas vezes preferiríamos manter na penumbra.

Diante do desconforto, é comum resistir, buscando distrações que aliviem a tensão ou recorrendo a negações que trazem alívio momentâneo, mas interrompem o fluxo do contato. Expandir a awareness requer um compromisso profundo com a presença, recusando atalhos que nos afastem do que se impõe. A transformação não se dá pela negação, mas pela travessia consciente da experiência. Sustentar o que emerge, reconhecer plenamente o que está posto, permite que as forças do campo se reorganizem, convertendo a estagnação em contato vivo. O convite não é para conter tais forças, mas para habitá-las com abertura e entrega, legitimando sua expressão. Quando lhes damos passagem e deixamos que cumpram seu curso, deixam de ser obstáculos e passam a integrar nossa totalidade. É nesse movimento que a Gestalt-terapia se ancora, reconhecendo a expansão da awareness como promotora de um contato mais pleno conosco, com o outro e com o mundo — um de seus fundamentos essenciais.

Uma psicoterapia voltada à ampliação da awareness requer um olhar atento e sensível às configurações que emergem no aqui e agora, reconhecendo os fios invisíveis que conectam diferentes aspectos da existência do cliente. Para que essa abordagem se desenvolva de forma autêntica, não há espaço para roteiros rígidos ou protocolos que antecipem respostas e naturalizem o encontro. O processo terapêutico pede entrega, disponibilidade para o inesperado e presença ajustada ao que se manifesta na relação. A cada sessão, novas figuras surgem — seja a ansiedade diante das exigências do trabalho, a solidão que atravessa um vínculo amoroso ou a dificuldade em permitir-se o prazer. Embora distintas no conteúdo, essas experiências revelam como o campo se organiza e se reconfigura — ou resiste à mudança — diante das forças que o atravessam.

Cada encontro abre uma janela para a maneira como o cliente estrutura sua experiência naquele momento. Nada do que emerge é aleatório: os temas trazidos, as palavras enfatizadas, o tom de voz, as emoções que transparecem, o que é evitado, o modo de se posicionar na relação terapêutica — tudo revela padrões sutis, mostrando quais aspectos ganham destaque agora. O que surge como prioridade não é uma questão isolada, mas uma expressão holográfica de como o cliente se relaciona com seu mundo como um todo. A figura da sessão, no sentido da Gestalt-terapia, não é um objetivo fixo, mas aquilo que, naquele instante, se destaca como necessidade viva: uma queixa, uma dúvida, um desejo contido, um incidente recente que desestabilizou o cliente. É essa figura, e não um plano pré-estabelecido, que orienta o processo.

A transformação genuína respeita o ritmo e os limites do cliente, apoiando-se no autossuporte — nos recursos e interesses que ele já possui. Mudanças sustentáveis não nascem de imposições externas, mas de movimentos orgânicos, enraizados na própria experiência e afinados com o excitamento presente. Essa abordagem exige confiança profunda no processo: em vez de dirigir, o terapeuta caminha junto, reconhecendo que o sentido da mudança não lhe pertence. O papel não é empurrar o cliente para um destino idealizado, mas apoiá-lo na descoberta do que faz sentido dentro de seus próprios desejos, limites e possibilidades. Para isso, é preciso abandonar a tentação de definir o que é melhor para ele, substituindo-a por curiosidade genuína e acompanhamento sensível, sustentando um espaço onde possa se reconhecer e transformar-se por si mesmo.

Na Gestalt-terapia, não fragmentamos a experiência: não separamos parte e todo, profissional e pessoal, físico e emocional, passado e presente. Buscamos compreender como esses elementos se integram. Se alguém relata impotência sexual, não reduzimos o fenômeno a uma causa fisiológica ou puramente psicológica. Investigamos o que atravessa sua vida naquele momento e como isso se conecta a outras dimensões — talvez um ambiente de trabalho opressor, que reverbera na vida afetiva e no sentido de valor próprio. O campo não é um conjunto de fatores isolados, mas uma totalidade dinâmica e fluida. Tudo o que se manifesta — dor, emoção, pensamento — reflete a forma como o cliente organiza sua experiência. Assim, cada figura que se destaca é uma porta de entrada para compreender sua organização interna e as forças atuantes no processo. O objetivo não é moldar a experiência, mas expandir a awareness, para que o cliente perceba, nomeie e transforme o que antes se mantinha como fundo difuso.

Dentro dessa perspectiva, cada sessão é um convite para compreender o cliente em sua totalidade, acompanhando o fluxo de sua consciência. O ato terapêutico acontece quando sustentamos atenção ao fenômeno, sem misturar nossas questões nem nos apressar em oferecer direções. Isso permite que o cliente não apenas reconheça suas dificuldades, mas perceba as conexões sutis que entrelaçam sua existência e as possibilidades de mudança.

A sessão começa quando o cliente chega: seu primeiro gesto, ritmo, respiração — tudo já comunica algo. O ponto de partida é sempre ele: como chega? O que traz? Como respira, olha, se senta? Uma simples pergunta — “Como eu lhe encontro neste momento?” — pode abrir espaço para que se conecte consigo, sem pressão para trazer algo pronto. Mesmo quando chega sem saber o que falar, isso não é obstáculo, mas fenômeno a ser explorado. Um “não sei” pode revelar medo de escolher, barreiras de contato, resistência a emoções profundas. O silêncio, nesse contexto, é recurso legítimo: não um vazio a ser preenchido, mas parte viva do processo, carregada de sentido.

Para o terapeuta iniciante, sustentar o silêncio pode ser desconfortável, pois desperta a tentação de preenchê-lo. Mas, na clínica gestáltica, alguns dos momentos mais transformadores nascem justamente da coragem de permanecer ao lado do cliente, mesmo sem palavras. O papel do terapeuta não é ocupar o vazio a qualquer custo, mas manter a atmosfera até que algo verdadeiro se forme, suportando o próprio desconforto e reconhecendo que, muitas vezes, ele diz mais sobre si do que sobre o cliente.

Essa é a essência da Gestalt-terapia: um encontro que alterna presença e espera, expressão e silêncio, sustentando o tempo necessário para que o que é verdadeiro possa emergir e se transformar.

À medida que a sessão avança, o terapeuta investiga o campo da experiência do cliente mantendo uma postura fenomenológica: oferece presença, reflete quando necessário e desafia suavemente quando apropriado. Pode chamar a atenção para padrões que se repetem na relação terapêutica, como quando um cliente hesita antes de expressar uma necessidade — momento em que a intervenção não é uma análise, mas um convite para que ele perceba o que acontece no aqui e agora. O meio da sessão costuma ser o momento em que figuras começam a emergir do fundo, quando o que estava difuso ganha contornos mais nítidos. Nessa etapa, a tarefa não é provocar um insight forçado, mas manter a exploração viva, sem precipitar fechamentos. É um desafio, sobretudo porque muitos clientes estão habituados a relações que oferecem respostas diretas ou conselhos.

Perguntas como “O que eu faço agora?” ou “O que você acha que eu deveria fazer?” exigem técnica, ética e sensibilidade. O desafio é sustentar o desconforto junto ao cliente sem ceder à tentação de preencher o vazio com orientações prescritivas. Quando ele se coloca na posição de vítima esperando ser resgatado, o risco é reforçar essa postura se a intervenção não for cuidadosa. Em vez de negar ou corrigir diretamente — “Você não precisa se ver como vítima” — o terapeuta pode devolver a experiência: “Como é para você se perceber falando dessa forma agora?” ou “O que acontece quando sente que não há ninguém para lhe dar uma resposta?”. Assim, o cliente toma contato com seu modo de se posicionar.

Outra armadilha surge quando o cliente tenta levar o terapeuta a tomar partido, com perguntas como “Você não acha que fulano foi injusto comigo?” ou “Se estivesse no meu lugar, faria o quê?”. Nessas situações, não se trata de confrontar nem de ceder, mas de explorar a intenção subjacente: “O que você espera que eu diga agora?” ou “Que impacto teria para você se eu confirmasse sua visão?”. Esse manejo envolve uma frustração sutil: o terapeuta não é rígido nem indiferente, mas evita oferecer respostas que privem o cliente de vivenciar e elaborar sua própria angústia. Sustentada com respeito e curiosidade, essa frustração favorece a ampliação da awareness. Intervenções precoces demais, com explicações ou soluções prontas, impedem que o cliente construa suas próprias respostas; frustrações sem acolhimento, por outro lado, podem gerar desamparo ou resistência. O equilíbrio está em frustrar sem romper o vínculo, apoiando o cliente a suportar e transformar a experiência.

Ampliar a awareness é convidar o cliente a se reencontrar consigo, olhar para sua experiência com frescor e curiosidade. É um retorno ao que já está presente, mas ainda não foi reconhecido. O terapeuta não ocupa o lugar de quem detém o saber, mas de companheiro de jornada. Binswanger o compara a um guia de montanha: alguém que não impõe a direção, mas ilumina trechos sombreados do percurso, ajudando o outro a enxergar o próprio terreno sem violar sua autonomia. Confiar nesse processo implica sustentar o desconforto sem a necessidade de consertar, orientar ou definir certo e errado — aprendendo a ficar, sentir e explorar sem pressa nem atalhos.

Ao final, o terapeuta ajuda o cliente a organizar e assimilar o que foi vivido. Um bom encerramento pode incluir um breve resumo ou um convite para que ele expresse o que leva da sessão. Perguntas como “O que fica mais vivo para você agora?” ou “Se tivesse que resumir a sessão em uma frase, qual seria?” permitem que o vivido ressoe além do consultório.

Como todo experiência ocorre através do campo fenomenológico do cliente, ampliar sua awareness significa ajudá-lo a perceber as forças que operam nesse campo e os significados singulares que ele atribui à sua organização. Na Gestalt-terapia, esse processo é essencial para que o indivíduo reconheça as configurações do campo que permanecem abertas, clamando por fechamento. A abordagem gestáltica compreende que as forças emergentes no campo buscam uma resolução capaz de transformar tensão em equilíbrio. Quando uma força se torna premente, ela se destaca como figura, ocupando o centro da experiência. No entanto, se não for atendida, a experiência permanece inacabada, formando gestalten abertas que seguem influenciando a vivência do indivíduo. Essas gestalten inacabadas carregam tensões que buscam ser resolvidas a partir da satisfação de necessidades correspondentes, ressoando no campo e perpetuando padrões de contato.

Essas configurações inacabadas atuam como lentes que distorcem a percepção do presente, pois tendemos a interpretar novas situações a partir das pendências emocionais que carregamos. Alguém que traz consigo uma história de opressão, por exemplo, pode reagir às relações atuais com insegurança, mesmo quando o contexto não justifica tais reações. A resolução dessas pendências não ocorre por meio da negação ou do esquecimento, mas sim pelo contato genuíno com aquilo que permaneceu em suspenso. Quando uma experiência inacabada é trazida à awareness, sentida e elaborada – e, muitas vezes, transformada em ação – sua tensão se dissolve, permitindo que o campo se reorganize de maneira mais fluida. Esse é o movimento essencial da autorregulação.

Facilitar o fechamento dessas configurações obsoletas possibilita que o indivíduo responda de forma mais coerente e ajustada às demandas da vida, promovendo uma relação mais harmônica consigo mesmo e com o mundo. Para isso, é fundamental ajudá-lo a perceber aspectos antes despercebidos e a atualizar significados cristalizados que limitam sua experiência. Ampliar a awareness é, portanto, tornar o campo mais nítido, permitindo que forças emergentes sejam reconhecidas e incorporadas na continuidade da existência – o que, por sua vez, desbloqueia novas possibilidades de ajustamento.

Por exemplo, um adolescente que relata intensa ansiedade de ser abandonado em seu primeiro namoro, mesmo com sua namorada se empenhando para lhe transmitir segurança. Quando essa situação é explorada, revela-se uma figura maior do campo: o abandono paterno que ele sofreu na infância. Esse abandono gerou uma vivência de vulnerabilidade que não pôde ser completamente processada e integrada. A criança que ele foi, sem recursos emocionais para lidar com a dor e a insegurança, desenvolveu estratégias para sobreviver – como viver em alerta constante contra possíveis rejeições. No entanto, essa figura não se dissolveu, permanecendo presente, inacabada, esperando um momento para se fazer ver. Agora, ela ressurge no relacionamento atual, pedindo reconhecimento e cuidado.

A ansiedade diante da possibilidade de ser abandonado não é apenas sobre a relação amorosa em si, mas sobre a história emocional que o acompanha. O medo atual carrega o medo daquela criança que foi deixada para trás. Ao trazer awareness para esse processo, o jovem pode começar a perceber as camadas que compõem sua experiência. Esse reconhecimento não tem o objetivo de forçar um fechamento imediato, mas de permitir que essa vulnerabilidade seja sentida, compreendida e integrada. Quando isso acontece, novas formas de autorregulação emergem. A necessidade de segurança, antes reprimida ou ignorada, pode ser reconhecida e atendida de formas mais maduras, permitindo relações mais fluídas e menos dominadas pelo medo.

O mesmo processo acontece com qualquer figura que clama por atenção. Algumas emergem predominantemente do campo atual – uma demanda no trabalho, um conflito familiar recente, um desejo reprimido que começa a ganhar força. Outras atravessam décadas, rompendo camadas de esquecimento e resistência, até encontrarem uma brecha para se manifestar. Muitas vezes, essas forças não são identificadas de imediato, pois se expressam de forma indireta – como um desconforto inexplicável, uma reação desproporcional, um bloqueio diante de determinadas situações. No entanto, ao expandir a awareness, aquilo que antes parecia nebuloso começa a tomar forma e, ao tomar forma, abre-se a possibilidade de transformação.

Reconhecer uma gestalt inacabada não significa que ela será encerrada instantaneamente. Fechar uma configuração é um movimento orgânico que ocorre quando as necessidades envolvidas são realmente consideradas e atendidas. No caso do adolescente, isso pode significar aprender a confiar na solidez do presente sem carregar a certeza antecipada de abandono. Pode significar permitir-se sentir a tristeza e a raiva pelo que viveu, sem precisar suprimi-las. Pode significar, ainda, abrir-se à possibilidade de viver relações nas quais a proximidade não seja sinônimo de ameaça.

A terapia, nesse contexto, torna-se um espaço onde o inacabado pode emergir com legitimidade. Onde as forças que operam na experiência da pessoa podem ser exploradas sem pressa, permitindo que a autorregulação se reorganize de forma mais equilibrada. Quando uma figura recebe a atenção necessária, ela pode, enfim, encontrar seu desfecho natural – não desaparecendo, mas recuando para o fundo e se integrando ao todo da experiência, tornando-se referência, mas sem que sua presença perturbe o fluxo da vida. É nesse processo de integração que a existência se expande, permitindo que o presente seja vivido por inteiro, sem que pendências do passado continuem a exigir resolução incessante.

A Gestalt-terapia convida, assim, o indivíduo a ampliar sua awareness, entrar em contato com suas gestalten inacabadas e permitir que forças negligenciadas sejam vistas e concluídas. Somente ao fazer isso abrimos espaço para um contato mais pleno com a realidade, libertando-nos de padrões obsoletos e cultivando uma experiência de vida mais autêntica e vigorosa.