Chegamos à última metodologia desse processo de ampliação da awareness: polir e responsabilizar. Podemos pensar nessa etapa como uma travessia. Se a primeira fase foi acolher o que chega e a segunda sustentar o contato pleno com a experiência, a terceira é escolher que vida se deseja viver a partir disso. Aqui, o terapeuta convida o cliente a deixar de ser apenas efeito de sua história e assumir-se como causa – não no sentido mágico de controlar tudo, mas de reconhecer onde ainda há liberdade, mesmo que mínima, e responder a partir daí. É um chamado à autoria, à assimilação e à superação da condição de refém de si mesmo. Se antes acolhemos o que emergia e sustentamos a experiência em sua inteireza, agora damos um passo além: ajudamos o cliente a reconhecer, organizar e escolher a partir do que se revelou.

Enquanto as etapas anteriores abriram espaço para sentir e sustentar o vivido, é agora que algo começa a se reorganizar. A experiência bruta ganha contorno, a figura que emergia turva pode ser lapidada com nitidez. Eis o momento de polir e, logo em seguida, responsabilizar. Nas fases iniciais da sessão, o cliente encontra abrigo para ser como é; nesta, o contato amadurece. A vivência se transforma em compreensão, e a compreensão em possibilidade. É quando, após o turbilhão, surge um olhar novo, como se ao soprar a poeira algo começasse a brilhar. Esse brilho é o insight.

Por didática, podemos compreender esse momento em subpartes: costura e organização; nomeação e ilustração; questionamento e decisão; insight e ação. O trabalho do terapeuta é explorar e lapidar o fenômeno, ajudando o cliente a organizar o que emerge. Não se trata de oferecer respostas, mas de destacar conexões e devolver uma visão mais clara e integrada. Perguntas como “Como isso se conecta ao que você mencionou antes?” ajudam a dar forma ao disperso. Esse polimento pode se expressar por uma costura biográfica, que revela padrões repetidos, ou por correlações que organizam fragmentos dispersos da experiência. Não é recapitular, mas reunir, iluminar e revelar.

Polir é justamente revelar o que já estava presente, mas opaco. É dar contorno à figura emergente, nomear o que antes era apenas sensação difusa, conectar o agora com o lá atrás – não para aprisionar o cliente ao passado, mas para libertá-lo dos enredos repetitivos. Polir é transformar vivência em clareza, emoção em direção, afeto em escolha. A própria etimologia ajuda a compreender: “polir”, do latim polire, significa tornar liso, dar brilho, refinar. Não se trata de envernizar ou maquiar, mas de remover opacidades, raspar endurecimentos, limpar poeiras de convicções obsoletas. É friccionar algo bruto até que revele o brilho que já possuía. Esse polimento não adiciona nada: apenas revela.

Na clínica, quando falamos em “polir o fenômeno”, referimo-nos a esse trabalho sutil de afinar a lente da awareness. É nomear com precisão, fazer associações reveladoras, captar nuances escondidas sob o hábito. É quando a fala ganha densidade, a emoção se encarna e o gesto se torna símbolo. Polir é refinar a percepção, discriminando a nuance que se esconde sob o óbvio: a raiva por trás do medo, a tristeza sob a culpa, o desejo oculto sob a dependência. Nesse esmero, o insight nasce como reorganização profunda da experiência. O cliente não apenas entende o que sente, mas também como, quando, com quem e a serviço de quê. É quando pode dizer: “Agora eu vejo. Agora eu entendo”.

Por exemplo, diante de uma atitude evitativa, o terapeuta pode perguntar: “Como isso se relaciona com o medo de rejeição que você mencionou no início da terapia? Isso ainda faz sentido para você?”. Essa devolutiva promove uma reorganização perceptiva, permitindo ao cliente enxergar sua história sob nova luz. Quando os temas surgem dispersos, cabe ao terapeuta ajudar a organizá-los: “Você mencionou cansaço constante, agora fala de conflitos no trabalho e tensões familiares… Vê relação entre esses elementos?”. Perguntas assim revelam um fio condutor por trás do aparente caos.

Ao polir os fenômenos, o gestalt-terapeuta não busca moldar o cliente, mas ajudá-lo a reconhecer como se dispersa, como se desqualifica, como deixa de se apoiar e como suas ações, muitas vezes, não visam resolver, mas perpetuar o sofrimento. Perguntas que iluminam incongruências e conexões provocam insights e abrem uma visão mais ampla de sua trajetória. O objetivo não é dizer o que fazer, mas favorecer que perceba com clareza onde está, quais caminhos tem e o que deseja assumir. Quanto mais clara sua percepção, mais responsável se torna sua escolha, e mais coerentes e sustentáveis podem ser seus novos ajustamentos.

O terapeuta pode ainda compartilhar impressões sutis, dizendo, por exemplo, “Me veio à mente…” ou “Enquanto você dizia isso, pensei em…”. Quando usadas com sensibilidade, essas falas acrescentam elementos à problematização, instigam insights e enriquecem o processo, sempre desde que surjam da experiência clínica e não de questões não resolvidas do terapeuta.

No processo de polir, o cliente digere o vivido. Mastiga a experiência, rumina sensações, examina escolhas e omissões. Como em um metabolismo psíquico, distingue o que deve ser assimilado e o que precisa ser expelido. É aqui que entra a assimilação criativa, tão valorizada por Perls: o organismo digere aquilo que antes apenas engolia ou rejeitava. Polir, nesse sentido, é abrir espaço para que a vida possa se reorganizar com mais brilho, clareza e responsabilidade.

Na Gestalt-terapia, nomear não é rotular, mas permitir que a experiência encontre palavra. O cliente muitas vezes chega envolto em discursos longos, fragmentados ou até em silêncios pesados, com afetos que ainda não conseguem se expressar. Ele sente, mas não consegue dizer; pressente, mas não encontra forma. Nesse momento, o terapeuta pode oferecer palavras provisórias, sempre como hipótese, nunca como sentença: “Notei que você desviou o olhar quando falou disso… tive a impressão de que houve vergonha. É isso mesmo?”. A nomeação, quando feita com delicadeza, ajuda a afinar o foco, como quem ajusta uma lente borrada. O fenômeno já estava ali, mas agora se torna visível e, portanto, possível de ser apropriado.

Esse gesto clínico exige precisão e humildade: a palavra oferecida precisa vir da escuta fenomenológica e não de teorias ou fantasmas pessoais do terapeuta. Uma palavra mal colocada pode ferir; uma palavra que nasce do contato pode libertar. É como emprestar linguagem ao cliente para que ele experimente se ela lhe serve. Se sim, algo se reorganiza. Se não, pode ser descartada, sem perda. Assim, nomear é um ato de revelação e também de dignificação da experiência, pois dá ao cliente a possibilidade de se reconhecer humano no que antes era apenas confusão ou silêncio.

Para além da nomeação direta, metáforas, analogias e histórias podem ajudar a traduzir o indizível. A metáfora toca o sentir: “Você parece um para-raios da sua família, absorvendo tudo”. Já a analogia organiza o pensar: “Estar nesse relacionamento é como remar um barco furado – você se esforça, mas continua afundando”. Metáfora é música; analogia é partitura. Ambas são ferramentas de polimento, mas precisam nascer do campo vivo da sessão, a serviço do cliente, não da vaidade do terapeuta.

Compartilhar uma história pessoal também pode ter efeito clínico, quando feito com verdade e parcimônia. Um terapeuta que, em um momento de sustentação suficiente, revela: “Também já me senti inseguro, e percebi que respirar fundo e aceitar minha condição de principiante me deu algum chão” não rouba a cena, mas acende uma lanterna para o cliente. Esse gesto pode produzir três efeitos: polir por espelhamento, despatologizar pelo reconhecimento e ampliar o campo de possibilidades. Mas, para ser ético, precisa responder a uma pergunta crucial: “Essa partilha serve ao cliente ou a mim?”. Se a resposta for a segunda, o silêncio é mais terapêutico.

Do polir pela nomeação e pela ilustração, avançamos ao questionamento existencial. Aqui, descemos às camadas mais profundas da terapia, onde o clínico toca o filosófico. O cliente começa a perceber que seus sintomas não são apenas desconfortos, mas modos de ser que definem a vida que está levando. A pergunta deixa de ser “o que estou sentindo?” e se torna “que vida estou escolhendo viver?”. Quando o terapeuta pergunta: “Quando você se cala para evitar conflito, o que está deixando morrer em você?”, não busca uma resposta imediata, mas semeia consciência.

Essas perguntas funcionam como bisturis: cortam camadas de racionalização e vão direto ao osso da existência. “Se eu continuar assim por cinco anos, quem serei?”, “O que você está protegendo ao se manter numa rotina que te esvazia?”, “O que teme perder se decidir viver com mais inteireza?”. Elas não são retóricas, são convocações. Fazem o cliente se deparar com o custo de seus ajustamentos. Porque liberdade só é verdadeira quando acompanhada da consciência de suas consequências.

Esse movimento amplia a percepção de que nossos modos de ser não surgem no vácuo: carregam histórias familiares, culturais, sociais. Muitas vezes, a cobrança impiedosa ou o silêncio crônico são heranças de campos antigos. Assim, o questionamento também devolve ao cliente a chance de discriminar: “Essa voz que ecoa é minha ou me foi dada?”. A partir daí, os padrões deixam de ser sentenças e se tornam escolhas possíveis de serem refeitas.

Esse é o momento em que polir se encontra com responsabilizar, pois a clareza exige ação. Responsabilizar não é culpar – a culpa paralisa, a responsabilidade mobiliza. Responsabilizar é reconhecer-se autor, sujeito capaz de responder por si. É perguntar: “Agora que você vê isso, o que fará com isso?”.

A palavra decisão, do latim decidere – cortar, separar –, nos lembra que escolher é sempre renunciar. Não há decisão sem perda, mas é nesse corte que se afirma uma direção. O cliente, então, deixa de ser apenas efeito de sua história e se torna autor de suas respostas. Não com liberdade absoluta, mas reconhecendo o espaço de manobra possível entre o estímulo e a resposta.

Se o insight não encontra caminho para se encarnar em ação, corre o risco de se dissipar ou virar peso. Por isso, polir sem responsabilizar é insuficiente; responsabilizar sem polir é cruel. A clínica gestáltica exige essa conjunção: clareza que gera responsabilidade, responsabilidade que se enraíza na clareza. E é nesse encontro que nasce a possibilidade de uma vida mais autêntica, mais lúcida e mais inteira.