A segunda etapa do processo de ampliação da awareness se dá por meio da devolutiva fenomenológica, um gesto clínico que devolve ao cliente aspectos de sua própria experiência, ampliando sua consciência e oferecendo-lhe a chance de se reencontrar consigo mesmo com mais clareza e profundidade. O próprio termo “devolutiva”, do latim devolvere – retornar –, expressa a ideia de refletir ao cliente aquilo que emerge em sua vivência, sem filtros interpretativos que desviem da autenticidade do fenômeno. O terapeuta, ancorado na fenomenologia, não impõe significados: sustenta o presente tal como ele se mostra e cria condições para que o cliente reorganize seu campo a partir da própria experiência (Ribeiro, 1999).

A devolutiva funciona como uma lente que amplia o óbvio, evidenciando detalhes que passam despercebidos pela familiaridade com os próprios padrões. Muitos clientes não notam a repetição de palavras, gestos ou posturas, e é aí que o gestalt-terapeuta atua como espelho sensível. Isso pode ocorrer de várias formas: repetir exatamente o que foi dito, destacar uma alteração no tom de voz, reproduzir um gesto realizado inconscientemente ou apenas nomear um silêncio carregado de significado. Esses pequenos retornos interrompem o automatismo e permitem que o cliente olhe novamente para o que vive, revelando novos sentidos (Joyce; Sills, 2016).

Dessa forma, a devolutiva não apenas mostra o que o cliente faz, mas também como faz, abrindo espaço para que perceba para quê o faz. Ilumina padrões automáticos e devolve a intencionalidade de suas escolhas. Assim, a awareness se expande organicamente, ajudando o cliente a se conectar com sua própria experiência no aqui e agora (Perls; Hefferline; Goodman, 1997).

A devolutiva pode ainda se apoiar na ressonância afetiva do próprio terapeuta, quando este compartilha com precisão fenomenológica o que percebe em si como reverberação do campo. Uma alteração na respiração, um cansaço repentino, uma tensão súbita podem ser devolvidos ao cliente em forma de convite: “Enquanto você falava, percebi que minha respiração ficou curta. Você sente algo parecido?”. Não se trata de imposição, mas de um espelho vivo que oferece novas perspectivas ao cliente.

Nesse movimento, a devolutiva já carrega em si o germe do experimento. Ao devolver um gesto, uma expressão ou um silêncio, o terapeuta convida o cliente a sustentar esse fenômeno de modo mais presente e sensorial. “Notei que você sorriu enquanto falava disso. Como é repetir essa frase sem o sorriso?” Ou: “Ao mencionar esse tema, seus ombros relaxaram. O que acontece em você ao notar isso agora?”. Essas pequenas intervenções são convites para experimentar a si mesmo de outra forma, resgatando a vitalidade da experiência e contrastando-a com o automatismo dos introjetos.

Enquanto o introjeto cristaliza crenças e modos de ser herdados do passado, operando como verdades absolutas, o experimento devolve a liberdade de questionar, arriscar e viver de outro modo. Se o introjeto fecha, o experimento abre. Se o introjeto responde, o experimento devolve a pergunta. Ele não busca explicações, mas vivências, trazendo o cliente de volta ao frescor da experiência imediata.

Assim, a devolutiva fenomenológica não é apenas um reflexo, mas um chamado à presença. Quando o terapeuta diz: “Percebi que você ficou em silêncio depois do que eu disse… o que aconteceu aí dentro?”, não está preenchendo o vazio com interpretações, mas convidando o cliente a habitar o instante. É nesse permanecer que o experimento se inscreve, pois o experimento é, antes de tudo, presença. Estar no aqui-agora, arriscar-se no contato e sustentar o que emerge, sem forçar nem apressar.

Um exemplo simples pode ilustrar. Joana entrou em minha sala com passos curtos e ombros caídos, como quem cumpre uma obrigação. Falou do casamento, das filhas e do trabalho em um tom monocromático, exausto. O corpo dela dizia mais do que suas palavras: ausência de energia, um bloqueio talvez, um desejo silenciado. No entanto, ao recordar os tempos de escola, seu olhar brilhou, a voz ganhou ritmo, e uma vitalidade inesperada emergiu. Eu não poderia deixar passar: “Durante toda a sessão você falou em um tom quase sem cor… e agora, de repente, há música na sua voz, há brilho nos seus olhos. Você percebe essa diferença?”. Ela chorou, não de dor, mas de reconhecimento. “Naquela época, eu me sentia viva… e falar disso agora me fez sentir viva de novo.” Eu apenas devolvi: “Se você se sentiu viva aqui, é porque essa vitalidade ainda está em você. Talvez não esteja encontrando espaço para emergir, mas ela existe”. Joana assentiu – já mais ereta, mais presente.

Esse exemplo mostra como uma devolutiva pode ser semente de transformação. Não se trata de dar conselhos, mas de segurar o instante para que o cliente se veja e se escute de outro modo. A partir daí, o experimento pode se desenvolver: repetir a frase, dar voz à emoção, encenar um dilema, habitar simbolicamente uma polaridade. Seja pela técnica da cadeira vazia, por dramatizações de emoções ou por ajustes sutis na postura e no tom de voz, os experimentos ampliam a awareness ao deslocar o cliente do discurso para a vivência.

O essencial é que o experimento nasça do campo e permaneça fiel ao fenômeno. Não é teatro, não é imposição. É um convite delicado e potente para que o cliente fique com o que é, ainda que desconfortável, sustentando sua própria experiência até que novos sentidos possam emergir. Cabe ao terapeuta garantir o suporte, respeitar o ritmo e oferecer um campo de segurança no qual esse encontro com a verdade não seja esmagador, mas libertador.

Nesse contexto, a frustração criativa ocupa um lugar importante. O terapeuta, ao devolver o que está sendo evitado, não confronta de forma agressiva, mas convida o cliente a olhar para o que prefere não ver. Há dignidade em sustentar esse contato, pois é nele que reside a possibilidade de mudança. Quando o cliente diz “não aguento mais”, o terapeuta pode simplesmente perguntar: “Não aguenta mais o quê?”. Esse pequeno deslocamento abre espaço para nomear o que antes era sombra.

Portanto, devolutiva e experimento não são técnicas isoladas, mas expressões do mesmo gesto: instigar o cliente a sair do piloto automático e sustentar o contato com sua experiência viva. O que emerge daí não é uma explicação racional, mas uma reorganização do campo, uma atualização do ser. A mudança não começa com a ação, mas com presença – com a coragem de habitar aquilo que antes era evitado. E esse simples ato de estar, inteiro, já é profundamente transformador.

Trata-se de um convite à exploração cuidadosa da figura que se delineia no campo da experiência. Esse momento exige do terapeuta ainda mais sensibilidade e respeito, pois é nele que o cliente se depara simultaneamente com sua vulnerabilidade e com a possibilidade de sustentar o contato, ampliando sua capacidade de se perceber.

Zinker (2007) descreve o experimento como a pedra angular da Gestalt-terapia. A partir de uma relação de confiança, o terapeuta cria um ambiente semelhante a um laboratório, onde o cliente pode se engajar em uma investigação ativa de si mesmo. Nesse espaço, como afirma o autor, grande parte da terapia consiste em “avivar o fogo, cultivar determinado tema, construir suporte em certas áreas da verbalização ou da ação em que isso se faça necessário” (p. 36). O experimento, portanto, é a ferramenta metodológica básica para favorecer vivências de presentificação, contato e aprendizado. Ele convida a pessoa a se implicar de forma viva no processo, em contraste com falas frias ou lembranças estéreis.

Zinker enfatiza que os experimentos não têm por objetivo eliminar os conflitos, mas permitir que sejam plenamente vividos. Assim, a energia antes aprisionada em mecanismos evitativos pode se tornar disponível e se converter em novas ações. Não é possível forçar que o aprendizado aconteça, tampouco promovê-lo por meio de introjeções. Antes de mudar, o cliente precisa assimilar uma nova noção de si mesmo, o que geralmente exige uma sequência de vivências graduais, cada uma funcionando como uma fagulha que, se “pegar fogo”, conduzirá o processo mais fundo em direção às resistências e gestalten inacabadas.

As finalidades do experimento são amplas: expandir o repertório de condutas, favorecer que a pessoa reconheça sua vida como criação própria, estimular aprendizagens a partir da ação, completar situações inacabadas, integrar compreensões intelectuais à expressão corporal, revelar polarizações inconscientes e facilitar a integração de forças em conflito (Zinker, 1979 apud Ribeiro, 2016). Em outras palavras, trata-se de uma metodologia que articula ciência e arte, criando um espaço de criatividade clínica (Salomão, 2016).

Nesse sentido, experimentos podem surgir de forma simples, até mesmo como uma “brincadeira”, mas ainda assim desencadear revelações profundas. Estão sempre enraizados na fenomenologia: não buscam impor explicações, mas favorecer que o cliente perceba sua própria experiência sob novas perspectivas. Por isso, um gestalt-terapeuta pode perfeitamente conduzir sessões apenas pela fala; no entanto, a Gestalt que reduz o experimento a uma obrigação já ficou no passado (Ribeiro, 2016). O uso dos experimentos é opcional, mas quando bem conduzidos, tornam-se instrumentos potentes de ampliação da awareness.

O campo clínico mostra, contudo, diferentes posturas quanto ao uso dessa ferramenta. Há terapeutas que evitam atender clientes que julgam não ter suporte interno para experimentos, enquanto outros se recusam a utilizá-los por considerá-los invasivos. Ribeiro (2016) adverte que ambas as posições, embora opostas, incorrem no mesmo erro: deixam de ser fenomenológicas ao pressupor que o terapeuta sabe o que é melhor para o cliente. No fundo, trabalham com a lógica determinista de causa e efeito, incompatível com a abertura radical que a Gestalt propõe.

Quando empregados, os experimentos precisam ser manejados com habilidade, sensibilidade e profundo respeito à singularidade do cliente. Como tocam níveis sutis da experiência, não admitem improvisações superficiais: exigem total aquiescência do cliente, clareza sobre quando começar e também quando encerrar, além de um cuidado especial para verificar como ele retorna após a vivência. O experimento não é mero “testar algo novo”, mas oferecer-se à possibilidade de criar de modo diferente – e essa criação só é possível quando há suporte, confiança e ética na condução do processo.

Muitos experimentos exploram o corpo como via privilegiada de expressão. Afinal, toda psicoterapia é, de algum modo, corporal: trabalhamos o corpo, com o corpo ou através dele. O corpo, como lembrava Reich, traz consigo couraças e barreiras que nasceram para proteger, mas que acabam por limitar a relação consigo e com o outro. Assim, técnicas corporais, como expressões gestuais, trabalhos com sonhos, fantasia dirigida ou a cadeira vazia, são recursos que, usados com respeito, permitem que cliente e terapeuta acessem níveis mais integrais da experiência (Ribeiro, 2017).

A essência do experimento é a permissão: permissão para criar, para explorar, para se surpreender. Sempre dentro dos limites éticos da não-violência e da não-invasão, ele representa tanto um espaço seguro quanto uma expansão das possibilidades do ser. Ao dramatizar polaridades internas, revisitar situações inacabadas, dar voz às emoções ou transformar uma fala genérica em afirmação pessoal, o cliente é convidado a viver algo novo, a encarnar perspectivas que estavam adormecidas.

Um exemplo é o cuidado com a linguagem. Quando o cliente diz “isso me incomoda”, pode ser convidado a reformular: “eu me incomodo com isso”. Essa simples alteração fortalece sua presença no aqui-agora, devolvendo-lhe o protagonismo. Da mesma forma, iniciar frases com “aqui e agora” ou ajustar o tom de voz e o ritmo da fala pode revelar emoções ocultas e formas alternativas de contato. Cada pequeno ajuste pode abrir novas possibilidades de reconhecimento e ajustamento criativo.

No fundo, experimentos não visam soluções rápidas, mas sim instigar impasses e dar ao cliente a oportunidade de sustentar seus conflitos internos em um ambiente seguro. Essa sustentação, como lembra Perls (1977), exige que o terapeuta saiba também frustrar criativamente o cliente, para que ele se depare com seus bloqueios e descubra que aquilo que espera do terapeuta pode ser conquistado por si mesmo. O experimento, assim, torna-se um espaço de autoatualização, no qual introjetos são abandonados, novas perspectivas surgem e a pessoa aprende a aceitar seus impulsos e emoções como parte legítima de sua existência.

Experimentando, o cliente descobre não apenas alívio e insights, mas sobretudo a possibilidade de reorganizar sua experiência de forma mais autêntica. E é justamente nesse espaço – entre a frustração criativa e a liberdade de criar – que a Gestalt-terapia encontra seu coração: o experimento como encontro vivo, presente e transformador, no qual terapeuta e cliente se descobrem juntos no processo.