O sistema motor, dentro da perspectiva gestáltica, pode ser compreendido como a engrenagem viva do contato: o lugar onde o excitamento ganha forma e direção, manifestando-se através de um exercício contínuo de expressão, criação e descoberta. Alimentado pela força centrífuga do ajustamento criativo, o sistema motor canaliza o impulso vital para a ação, organizando os elementos dispersos do campo em torno de uma figura de interesse. Esse fluxo visa, ainda que sem jamais alcançá-la por completo, uma harmonia dinâmica e autorregulatória entre organismo e ambiente.

Como nos ensinam Perls, Hefferline e Goodman (1997), “Todo contato é ajustamento criativo do organismo e ambiente” (p. 45). Essa capacidade de ajuste dinâmico, que possibilita a adaptação do ser humano às vicissitudes do campo, é compreendida como um critério essencial de saúde (Joyce & Sills, 2016; Moreira, 2010). A criatividade, nesse contexto, não é um luxo estético, mas uma função vital – a arte de se reorganizar frente ao inusitado, de responder ao campo com presença e inteireza.

Zinker (2007) descreve a criação como um ato corajoso, um movimento de transcendência: “Cada ato criativo é uma unidade de inspiração e expiração. […] O ato criativo é uma necessidade tão básica quanto respirar ou fazer amor” (p. 21). Criar é, pois, viver.

Ajustar-se, no campo, é reconfigurar-se. Como explica Ribeiro (2016), esse ajustamento é orgânico e espontâneo, embora por vezes exija instrumentalizações que permitam à pessoa sustentar o processo. Trata-se de um fluxo instintivo e relacional, permeado pela consciência, onde a sabedoria do corpo e a inteligência da experiência se entrelaçam para encontrar saídas viáveis. Para Mendonça (2010), o ajustamento criativo é a superação de estruturas obsoletas em direção à integração do novo.

Elemento central do sistema motor, a agressividade é compreendida na Gestalt-terapia como um impulso fundamentalmente saudável (Perls, 2002). Trata-se da energia do excitamento, impulsionando o contato e permitindo ao organismo a defesa, o desejo, a criação e a transformação.

Ribeiro (2016) define a agressividade como uma expansão vital: “um processo humano, inato, que provoca na pessoa uma complexa sensação de ir além de si mesma” (p. 59). O bloqueio dessa força compromete a capacidade de contato autêutentico e favorece a formação de sintomas, como a depressão ou a ansiedade crônica.

Na clínica, reconhecer e restaurar a agressividade é reativar a capacidade de se posicionar no mundo, de assumir riscos criativos, de encarnar as próprias escolhas e de enfrentar as inevitáveis frustrações da vida.

O sistema motor é a engrenagem viva do ciclo de contato. Nele, a vida pulsa em direção ao novo, guiada por um ajustamento criativo que busca formas mais inteiras de ser. Os bloqueios de contato, quando cristalizados, empobrecem o movimento e reduzem a capacidade de regulação. Contudo, na atmosfera terapêutica, esses bloqueios podem ser tocados com presença e cuidado, revelando não um erro, mas uma tentativa interrompida de se encontrar.

A tarefa do gestalt-terapeuta é sustentar esse campo, favorecer a emergência do excitamento e apoiar o cliente no reencontro com sua força de agir, sentir e se transformar. Afinal, como diria Zinker (2007), “Todo encontro criativo é a busca – e uma resolução parcial” (p. 22).

Esse sistema motor do contato, portanto, se desdobra em três etapas fundamentais: mobilização, ação e interação.

Na mobilização há emergência da figura; o excitamento organísmico encontra uma direção. Algo se destaca no campo e convoca a pessoa à ação. A mobilização é o impulso que organiza os elementos internos e externos em torno de um foco, onde a energia se prepara para o contato.

A pessoa mobilizada consegue reconhecer o que a situação lhe pede, escolher com autonomia, bancar suas escolhas mesmo diante do medo, discernir o que é nutritivo ou tóxico, defender seus direitos e expressar-se com autenticidade.

Bloqueio correspondente: Introjeção

A introjeção ocorre quando a figura espontânea é substituída por um “a priori” — regras, expectativas ou normas internalizadas. O excitamento é reprimido e o sujeito se desconecta da própria autenticidade, adotando comportamentos estereotipados.

A pessoa introjetora reprime seus desejos, sente-se inferior, depende de validação externa, evita o confronto, teme a desaprovação e constrói relações pautadas na obediência e no receio.

Clinicamente, a introjeção pode dificultar a ação terapêutica ao tornar o cliente excessivamente submisso, esperando respostas prontas, impedindo a emergência de novas possibilidades de ser.

Na ação o excitamento é aplicado no mundo. A pessoa age, expressa, se arrisca, assume suas escolhas. Trata-se de um momento de confronto com a alteridade do campo, onde há negociação, contato e impacto.

A pessoa em ação não foge das diferenças, ampara seus atos, lida com os próprios erros sem se envergonhar, expõe-se, escuta o outro, flexibiliza-se e constrói relações autênticas.

Bloqueio correspondente: Projeção

A projeção emerge quando o sujeito se protege de um campo percebido como hostil. Desconecta-se de seus sentimentos, responsabiliza o ambiente pelos próprios fracassos, desconfia dos outros e se fecha em um estado de alerta constante.

A pessoa projetora é rígida, hipervigilante, reativa, tem dificuldade para dialogar e tende a cocriar relações conflituosas que reforçam sua crença de que o mundo é perigoso.

Na clínica, isso pode levar o cliente a se colocar em oposição constante ao terapeuta, dificultando o vínculo e impedindo a construção de novas possibilidades relacionais.

A interação é o momento da sustenção e ajustamento criativo; é o momento em que a pessoa sustenta o excitamento, atravessa as forças do campo e, a partir de negociação e presença, encontra uma solução reguladora.

Aqui, ela se molda ao campo sem se perder, relaciona-se com autenticidade, respeita os limites dos outros, distribui suas necessidades, dialoga com empatia e cria formas customizadas de satisfação.

Bloqueio correspondente: Proflexão

A proflexão se caracteriza por um contato indireto e volátil. A pessoa evita se expor, teme a frustração, testa os outros, cria “contratos invisíveis” e se ressente quando não é compreendida.

A relação se torna objeto de barganha: ela agrada para ser agradada, oferece esperando retorno, e ao não ser correspondida, reage com vitimismo, raiva ou abandono.

Clinicamente, a proflexão dificulta a construção de relações estáveis, pois a pessoa não consegue sustentar o contato até encontrar saídas saudáveis, e vive os vínculos como campos de risco e rejeição.