A fluidez, no contexto da Gestalt-terapia, representa a capacidade do organismo de manter-se disponível para o movimento, para a novidade e para a constante recriação de si. Ela se expressa na curiosidade frente ao desconhecido, na permissão para que a atenção transite livremente entre diferentes figuras emergentes, e na abertura sensível ao que o campo oferece a cada momento. É a soltura no aqui-agora que permite que os fenômenos se revelem e se modifiquem espontaneamente, sem que o juízo imediato obstrua a experiência. Essa postura diante da vida supõe a suspensão temporária de certezas, o abandono de velhos referenciais e a disponibilidade para “provar” a realidade com os sentidos e com a alma. Como descreve Ribeiro (2007), “fluidez é o processo pelo qual me movimento, localizo-me no tempo e no espaço, deixo posições antigas, renovo-me, sinto-me mais solto e espontâneo e com vontade de criar e recriar minha própria vida” (p. 59).

Já a fixação é o movimento oposto: é quando o organismo se prende a uma figura, a uma ideia, a uma emoção ou a um comportamento de forma estagnada, mesmo quando tal estrutura já não se mostra funcional ou nutritiva. Estar fixado é ocupar-se rigidamente com o passado ou com o futuro, perdendo o contato com o presente em transformação. É repetir padrões antigos para evitar o desconforto do novo. Como expressa Ribeiro (2021), “fixação é o processo pelo qual me apego excessivamente a pessoas, ideias ou coisas e, temendo surpresas diante do novo e da realidade, sinto-me incapaz de explorar situações que flutuem rapidamente, permanecendo fixado em coisas e emoções sem verificar as vantagens de tal situação. Tenho medo de correr riscos” (p. 129).

Na prática clínica, percebe-se que a fixação não é apenas uma “resistência” ao contato, mas também uma tentativa de controle e previsibilidade frente à insegurança. Quando o self acredita não ter recursos para lidar com o campo desconhecido, recorre a esquemas pré-estabelecidos, memórias narrativas, fantasias idealizadas ou juízos definitivos sobre si, os outros e o mundo. Isso reduz a plasticidade do organismo e compromete o ajuste criativo.

A fluidez, por outro lado, envolve confiança: confiança nos sentidos, nas emoções, na capacidade de lidar com o que emerge. Implica uma entrega ativa ao processo de viver. A abertura ao novo só é possível quando não estamos excessivamente ocupados em prever, julgar ou controlar. Como alerta Perls (1977), “parece inacreditável que possamos estar abertos e prontos para o que possa acontecer […] Mas não. Temos que estar certos de que não temos futuro, de que o status quo deve permanecer, apenas um pouco melhor. Mas não devemos correr riscos, não devemos estar abertos ao futuro” (p. 71).

A relação entre fluidez e fixação se dá, portanto, como uma polaridade existencial. Em momentos saudáveis, a fixação serve como referência, como ponto de apoio para a organização perceptiva e para a construção de sentido. No entanto, quando cronificada, ela se transforma em rigidez, cristaliza o contato e bloqueia a possibilidade de atualização do self.

Por isso, o processo terapêutico visa favorecer a fluidez: ampliar a awareness, cultivar a presença, despertar a capacidade de sentir, discriminar e agir de forma criativa e responsiva. É ao restabelecer o movimento entre figura e fundo que o sujeito reencontra sua vitalidade.

A fluidez é condição para o nascimento do novo, enquanto a fixação, quando alienada, é a tentativa de congelar o rio da vida em um instante que já passou. Uma vida plena exige o risco da entrega, a coragem de se esvaziar e a disposição de estar, de fato, em contato com o que é.

A sensação, na perspectiva da Gestalt-terapia, trata-se de um retorno sensível ao corpo, uma imersão na própria materialidade e uma abertura aos estímulos do ambiente. Nesse ponto, o indivíduo se permite ser atravessado pelas forças do campo, reconhecendo-as através da corporeidade que sente, degusta e responde. É pela sensação que se inicia a organização da consciência: o corpo, ao captar sinais internos ou externos, elege uma figura contra um fundo, iniciando o processo de awareness.

Estar em sensação é, portanto, estar vivo e em ressonância com o momento presente. Trata-se de um convite à entrega e à confiança na própria capacidade de sustentar experiências emocionais, mesmo aquelas avassaladoras. O introjeto que sustenta esse passo do ciclo do contato pode ser expresso como: “Posso sentir; dou conta de experienciar as minhas emoções, mesmo que intensas”.

Em contrapartida, a dessensibilização representa um bloqueio do contato, no qual o indivíduo reduz ou evita suas sensações com o intuito de não precisar confrontar-se com o que sente. Essa evasão sensorial é marcada pela desatenção aos sentidos básicos (visão, audição, olfato, tato e paladar), levando a um estado de entorpecimento, frieza emocional e desinteresse afetivo. O corpo, anestesiado, deixa de ser um radar para as experiências do mundo e passa a habitar uma zona enevoada, obscurecida, onde as informações sensíveis são ignoradas ou reprimidas.

Ribeiro (2021) define a dessensibilização como o processo em que o indivíduo minimiza suas sensações, percebendo-se entorpecido, com dificuldades de se estimular, e sem diferenciar estímulos internos ou externos. Em suas palavras, “não sei se me sinto/sinto que não sei” (p. 130). Esse estado é acompanhado de inatividade, apatia, distanciamento e uma sensação de “nevoeiro” sobre a experiência imediata. O introjeto que sustenta tal bloqueio pode ser identificado como: “Não dou conta de sentir; se eu sentir, irei explodir, desmoronar ou enlouquecer”.

O impacto da dessensibilização ultrapassa o nível emocional, afetando a integração corpo-mente e a habilidade de engajar-se com o mundo. A tende̊ncia à evitação sensorial pode gerar um quadro existencial de anestesia e desintegração, conforme aponta Ribeiro (2021, p. 186): a esperança desaparece, o entusiasmo se esvai, e a organização da personalidade parece se tornar um corpo sem emoções.

Pessoas que estruturam suas defesas sobre esse bloqueio sensorial costumam apresentar características semelhantes às personalidades esquizoides e esquizotípicas descritas no DSM (Pinto, 2015). O distanciamento emocional e sensorial torna-se uma barreira para o contato genuíno, inclusive para o desenvolvimento da intimidade interpessoal.

Por outro lado, a Gestalt-terapia valoriza profundamente a experiência corporal como fonte primária de conhecimento. É pelo corpo que se expressam as experiências conscientes e inconscientes; é por ele que emerge a consciência, na medida em que a awareness se constrói no aqui-agora. Como aponta Ribeiro (2007), a sensação é o momento em que sái-se do estado de frieza emocional e se recupera a capacidade de sentir, de perceber o corpo e seus sinais.

A esse respeito, Juliano (1999) complementa: “Apenas uma porção limitada do nosso sistema de energia pode ser incorporada à nossa consciência. Para nos valermos dessa energia potencial, precisamos nos tornar receptivos à sua mensagem” (p. 50). O corpo, como mensageiro existencial, carrega narrativas que nem sempre passam pelo crivo do pensamento. Hycner (1995) observa que muitos clientes ignoram seus corpos como fonte de sentido, priorizando a mente racional e se afastando da integração corpo-sentimento-ação.

Em psicoterapia, portanto, o papel do terapeuta é o de ouvir aquilo que o cliente ainda não escuta: seus sinais corporais, seus afetos sutis, suas zonas dormentes. O terapeuta precisa permitir-se ser tocado, emocional e sensorialmente, abrindo espaço para uma comunicação genuína e transformadora. Como assinalam Broocke e Macedo (2006), é por meio do corpo que o cliente clareia seu contexto, reelabora aspectos de sua natureza e reconstrói o sentido de si mesmo.

Yontef (1998) enfatiza que awareness implica responsabilidade: ser consciente é, ao mesmo tempo, reconhecer-se como autor de seus sentimentos, pensamentos e ações. A relação terapêutica, portanto, precisa oferecer confirmação e acolhimento ao cliente tal como ele é, abrindo possibilidade para a emergência de novos sentidos e experimentações.

Assim, retomar o contato com a sensação é também retomar o eixo da experiência, permitindo que o corpo, enquanto sujeito de saber, conduza o processo terapêutico com sua sabedoria silenciosa. Como bem coloca Holanda (2014), trata-se de uma “ascese invertida de reconversão ao corpo e ao sensível” (p. 90), em que pensar e refletir cede espaço ao sentir, sem que isso implique abandono da razão, mas sim sua reintegração em um campo mais amplo de saberes da experiência.

A awareness é um dos conceitos centrais da Gestalt-terapia. Trata-se da consciência perceptiva, tácita e reflexiva do aqui-agora. É a capacidade de se dar conta do que está acontecendo no campo pessoa/mundo, significando e nomeando o que se sente ou do que se necessita, promovendo assim um saber imediato e implícito da experiência em curso. É através da awareness que conseguimos nos perceber situados na relação com o mundo e orientar nossas escolhas a partir de uma inteligência organísmica. Esse processo exige a atenção ao fluxo de estimulações e às formas emergentes do campo, permitindo a formação de Gestalten e favorecendo a integração de sentidos e experiências.

Como afirma Ribeiro (2021), “Awareness: processo pelo qual me dou conta de mim mesmo de maneira mais clara e reflexiva. Estou mais atento ao que ocorre à minha volta, percebo-me relacionando com mais reciprocidade com pessoas e coisas” (p. 132). Trata-se de um processo vivo, integrativo e orientador, através do qual ampliamos nosso entendimento do campo e assumimos maior responsabilidade diante dele.

Em oposição a esse fluxo vital de consciência está o mecanismo de deflexão, um dos bloqueios de contato descritos na Gestalt-terapia. A deflexão refere-se ao afastamento da experiência imediata, negando ou amenizando a percepção do que está sendo vivido. Ela se manifesta como dispersão da atenção, dissipação do excitamento e negação do impacto das sensações. Muitas vezes, o sujeito fala sobre algo sem realmente entrar em contato com aquilo; recorre ao humor, ao excesso de palavras ou ao foco em trivialidades para evitar tocar no que é significativo.

Como exemplificam Joyce e Sills (2016), é comum que clientes defletam de seus sentimentos falando sem parar, rindo de si mesmos, evitando silêncios ou concentrando-se excessivamente nas necessidades alheias. Nesses casos, o contato é evitado, a awareness é restringida e o envolvimento autêntico com o campo é substituído por uma presença superficial e incoerente.

Cardella (1994) observa que o deflexor tem dificuldade em manter foco e concentração em sua própria experiência. Em relações afetivas, isso pode gerar solidão no parceiro, que não se sente visto ou ouvido. Além disso, a deflexão pode impedir a formação e fechamento de figuras, gerando uma experiência fragmentada e sem pregnância.

O introjeto básico associado à deflexão costuma ser: “Preciso da intensidade, pois a calmaria me impede de fugir do que está em jogo”. Como sugerem Pinto (2015) e outros autores, a personalidade estruturada sobre esse bloqueio pode apresentar traços histriônicos, com comportamentos voltados à busca de atenção e à evitação da introspecção.

Essa estruturação pode cristalizar tendências como: utilizar a aparência física para obter destaque; sentir-se desconfortável quando não é o centro das atenções; mudar constantemente de assunto; esquivar-se de questões incômodas com piadas ou devaneios; e apegar-se a atividades ou preocupações fúteis como forma de evitar o contato profundo com suas angústias.

Na prática terapêutica, cabe ao profissional convidar o cliente a tornar-se aware desse funcionamento. Como indicam Joyce e Sills (2016, p. 163), “Peça-lhe que preste atenção a suas sensações e sentimentos, interesse-se por eles, admita-os e reconheça-os. Ele pode considerar que opções tem para a ação, e depois escolher uma”.

Ao fazer isso, o cliente inicia um movimento de diminuição da velocidade, de retorno à presença e de restabelecimento do contato pleno com a realidade, abrindo espaço para ajustamentos mais criativos e responsáveis.