Estudar Gestalt-terapia e Existencialismo é mergulhar numa visão de ser humano como processo vivo, aberto e em constante transformação. Essas abordagens rejeitam os reducionismos mecanicistas que fragmentam a experiência, apostando numa compreensão encarnada da existência — situada no corpo, no tempo presente e na relação com o mundo. A pessoa, aqui, não é um objeto a ser consertado, mas um sujeito em travessia, cujas dores, impasses e vazios revelam pontos de interrupção no fluxo do viver, não defeitos a serem extirpados.
No cerne da Gestalt-terapia, encontra-se o conceito de figura e fundo. A cada momento, emergem necessidades que se destacam do campo como figuras que pedem reconhecimento. Uma vez completadas, elas retornam ao fundo, permitindo a emergência de novas experiências. Esse ciclo de autorregulação é o que sustenta a vitalidade do organismo. Quando ele é interrompido — seja por introjeções, evitação, deflexão ou outras formas de bloqueio — surgem sintomas, não como falhas, mas como modos inacabados de contato, figuras congeladas que aguardam integração.
A energia que impulsiona esse processo é o excitamento, uma força vital que move o organismo em direção ao contato significativo. Quando o excitamento é distorcido ou bloqueado, o campo se empobrece e a pessoa se distancia de si. Assim, o trabalho terapêutico não visa eliminar sintomas, mas sustentar a experiência até que ela possa completar-se. Por isso, a clínica gestáltica não busca normatizar o comportamento, mas restaurar a capacidade de contato pleno e consciente — o que chamamos de awareness.
Essa awareness, longe de ser mero insight cognitivo, é a consciência sensível do aqui-agora. Ampliá-la é permitir que a pessoa se dê conta de suas sensações, emoções, escolhas e necessidades, diferenciando o que é intrapsíquico do que é relacional. Reconhecer, por exemplo, que certos sofrimentos são moldados por contextos familiares, culturais ou políticos — e não apenas por supostas “fragilidades individuais” — é um passo crucial rumo à responsabilidade e à liberdade.
É nesse ponto que o Existencialismo se entrelaça à Gestalt-terapia. A filosofia existencial afirma que a existência precede a essência, como nos lembra Sartre: não nascemos prontos, somos autores de nós mesmos a cada escolha. Contudo, essa liberdade — longe de ser eufórica — é angustiante. Kierkegaard chamou essa angústia de “tontura da liberdade”: o abismo que se abre quando percebemos que não há garantias, apenas possibilidade. Heidegger aprofunda essa reflexão ao falar do ser-para-a-morte, lembrando que nossa finitude é o que dá peso e verdade às escolhas. E é justamente por termos que escolher, que nos tornamos responsáveis. A fuga dessa responsabilidade é o que Sartre chama de má-fé — o autoengano que nega a liberdade em nome de justificativas externas.
A Gestalt-terapia abraça essa angústia como solo fértil. No vazio que surge entre o que já não serve e o que ainda não nasceu — chamado vazio fértil — pulsa a possibilidade do novo. Evitar esse espaço, preenchendo-o com automatismos, impede o surgimento de formas criativas de viver. Já sustentar esse vazio com presença e curiosidade permite o que chamamos de ajustamento criativo: pequenas ações autênticas que reorganizam o campo e devolvem o sujeito a si mesmo.
Nesse processo, emerge o princípio paradoxal da mudança: só se transforma quem é capaz de ser o que é, com inteireza e honestidade. Quando tentamos mudar a partir da rejeição de nós mesmos — por culpa, vergonha ou idealizações —, apenas reforçamos a cisão. A cura, aqui, não é correção, mas integração.
Outro conceito essencial é o de autossuporte: a capacidade de sustentar a própria experiência sem depender rigidamente do outro. No entanto, isso não significa independência absoluta. Em momentos de vulnerabilidade, o heterossuporte — o apoio que vem do ambiente — é fundamental. A clínica não visa anular esse suporte externo, mas sim integrá-lo de modo que o sujeito possa apoiar-se em si sem abandonar o mundo.
Dentro desse jogo entre polaridades, surge a ideia de indiferença criativa, inspirada por Friedlaender e incorporada à Gestalt por Perls. Entre opostos como dever e prazer, agradar e desagradar, não se trata de escolher um e descartar o outro, mas de habitar o ponto zero — aquele lugar fértil onde novas sínteses podem nascer. Esse ponto de equilíbrio não é inércia, mas potência criativa.
Na clínica, isso se traduz numa postura dialógica e fenomenológica. O terapeuta não aplica receitas, nem se esconde atrás de uma neutralidade técnica estéril. Ele sustenta o campo com presença, acolhe o silêncio e o choro sem pressa de interpretar, aposta na potência que emerge do contato genuíno. A relação terapêutica não é de conserto, mas de encontro. Um encontro em que o terapeuta oferece suporte e, quando necessário, frustração, favorecendo a diferenciação do cliente e o nascimento de escolhas mais autênticas.
É nesse campo de relação que o impasse também se revela fértil. Ele não é sinal de fracasso, mas o momento em que polaridades internas se confrontam sem uma saída clara. Ao invés de contorná-lo, a clínica gestáltica o sustenta, reconhecendo ali uma oportunidade de reorganização profunda.
A teoria de campo ensina que não há sujeito isolado. Pessoa e mundo coemergem o tempo todo. Por isso, sintomas não podem ser explicados apenas por estruturas internas, mas devem ser compreendidos na interseção com contextos familiares, culturais, sociais e históricos. Uma política pública, um padrão educacional, uma lógica de consumo ou um sistema patriarcal — tudo isso compõe o campo onde o sujeito se forma e sofre.
Nesse sentido, o sofrimento não é sinal de fraqueza. Pelo contrário: a verdadeira patologia é a incapacidade de sentir dor. Quando a dor é evitada, ela se cristaliza como sintoma. A tarefa da psicoterapia é criar condições de campo para que o sofrimento possa ser atravessado e transformado — não negado. Isso tem implicações éticas profundas: experiências não integradas podem ser transmitidas transgeracionalmente, perpetuando histórias de adoecimento. Cuidar de uma pessoa é, portanto, também cuidar do tecido existencial compartilhado.
Por isso, o psicodiagnóstico gestáltico não busca classificar o sujeito, mas ampliar sua awareness. Ele é processual, relacional e revisável. Em vez de rotular, ele convida à descoberta — investigando forças horizontais (pressões sociais, relacionais, culturais) e verticais (heranças emocionais, traumas, figuras inacabadas).
No horizonte dessa abordagem, não há atalhos. O que há é presença, sustentação e aposta na potência que pulsa mesmo sob os escombros. A Gestalt-terapia, entrelaçada ao Existencialismo, convida o sujeito a viver com mais verdade — não a partir de ideais, mas do que é, aqui e agora. Nessa travessia, a angústia, o vazio, a dor e o silêncio não são obstáculos, mas caminhos.