A noção de excitamento ocupa lugar central em sua teoria. Trata-se da energia vital que emerge das tensões do campo e se transforma em força organísmica em prol da autorregulação. Esse excitamento não é mera excitação fisiológica, mas um estado de atenção e envolvimento que orienta o contato e possibilita a assimilação do novo. É dele que se origina a possibilidade de crescimento e mudança, pois cada necessidade, ao emergir com força, organiza a consciência e mobiliza o organismo em busca de completude. Quando esse movimento é bloqueado, o excitamento não desaparece, mas fica represado, transformando-se em ansiedade ou sintomas repetitivos. A compulsão à repetição, segundo Perls, é apenas a tentativa frustrada do organismo de completar situações inacabadas com meios arcaicos.
Nesse contexto, a neurose pode ser entendida como resistência ao vazio fértil — um apego a narrativas e padrões que evitam o risco do “não saber”. Mas é justamente esse vazio que prepara o nascimento do novo. Por isso, Fritz buscava frustrar as falsas soluções do cliente, devolvendo-o ao vazio para que, nesse terreno instável, pudesse encontrar sua autenticidade. Para ele, só mudamos quando aceitamos ser o que somos, não quando nos esforçamos para ser aquilo que achamos que deveríamos ser. A mudança, nesse sentido, é um retorno ao contato genuíno consigo mesmo.
A awareness, nesse processo, é a experiência de encontro pleno com a própria totalidade. Ribeiro descreve-a como uma “consciência emocionada”, um insight transformador em que mente e coração se harmonizam. Não se trata apenas de compreender racionalmente, mas de sentir-se inteiro, integrado e capaz de escolher com autenticidade. Essa awareness não pode ser forçada; ela acontece como um acontecimento, mas pode ser favorecida quando terapeuta e cliente se dispõem ao encontro no presente. Na prática clínica, isso significa ajudar o cliente a reconhecer o que emerge no aqui-agora — no corpo, nas emoções, na relação — e integrar essa experiência, transformando o desconforto em crescimento.
Assim, a Gestalt-terapia se apresenta como uma psicoterapia da vitalidade. O excitamento é sua matéria-prima, o vazio fértil é seu espaço de criação e a awareness é o acontecimento transformador que permite ao indivíduo redescobrir-se inteiro. Nesse horizonte, o papel do terapeuta não é corrigir ou moldar, mas confiar na autorregulação organísmica, apoiando o cliente a encontrar seus próprios meios de equilíbrio e realização.
O sintoma é, na maioria das vezes, o que leva o cliente a procurar terapia. Ele surge como aquilo que incomoda, ocupando o primeiro plano da experiência e tornando-se a figura inicial do processo terapêutico. Pode aparecer sob a forma de uma angústia persistente, uma ansiedade paralisante, uma dor física sem causa aparente, uma raiva explosiva diante de conflitos familiares, uma compulsão alimentar ou um sofrimento após o término de um relacionamento. Para quem sofre, o sintoma se apresenta como um problema a ser eliminado, algo cuja simples ausência seria suficiente para restaurar o equilíbrio. Entretanto, para a Gestalt-terapia, ele é mais do que um incômodo: é uma mensagem. O sintoma denuncia algo subjacente, sinalizando um enredo mais profundo que impede o cliente de viver sua existência com inteireza.
Enquanto não olhamos para essa narrativa de fundo, tratamos o sintoma como inimigo, sem perceber que ele aponta para aquilo que precisa ser integrado. Pensemos em alguém que chega dizendo procrastinar. Ele se sente frustrado, acredita ser preguiçoso ou incompetente e busca técnicas de produtividade. Contudo, ao explorar essa experiência, vemos que o adiamento não é contra o trabalho, mas contra o desconforto de se sentir vulnerável diante da tarefa. Por trás dele pode estar o medo de não ser bom o suficiente, a angústia de fracassar mesmo com esforço. A procrastinação, nesse caso, funciona como mecanismo de autopreservação: mantém a pessoa distante desse impasse, protegendo-a de sua própria insegurança. Enquanto o foco estiver apenas em eliminar o comportamento sem compreender sua função, o padrão se repetirá, pois o conflito real não está no adiamento, mas na vulnerabilidade que o sustenta.
O sintoma não pode ser tratado como erro isolado. Ele possui uma função: preservar o organismo frente a algo que, em certo momento, pareceu insuportável. Ribeiro (2017) afirma que não trabalhamos diretamente contra o sintoma, mas sobre aquilo que permite que ele exista, pois ele não é entidade independente, mas parte da realidade existencial da pessoa. Muitas vezes, comportamentos considerados desviantes não são formas doentias de existir, mas escolhas sábias, sinalizando situações que o cliente não consegue enfrentar de outra forma (Ribeiro, 2017).
Perls, Hefferline e Goodman (1997) lembram que a dor é um sinal primordial de perigo iminente, uma resposta do organismo para autopreservação. Do mesmo modo, o sofrimento prolongado tem função: ele obriga a pessoa a se deter no conflito até que haja destruição do que precisa ser aniquilado e assimilação do que precisa ser integrado. O luto, por exemplo, exige entrega à dor para que, ao final, o indivíduo esteja transformado e pronto para retomar a vida com novos interesses.
Por isso, a Gestalt-terapia não busca eliminar conflitos como se fossem tumores a serem extirpados. Ao contrário, convida o cliente a entrar em contato com a energia bloqueada neles, tornando-a disponível para novas ações. O terapeuta não deve apressar processos, mas sustentar o aqui-e-agora, favorecendo que a awareness se expanda e que a pessoa perceba o custo de manter o sintoma em comparação ao risco de se transformar (Ribeiro, 1999). A mudança, nesse sentido, não é forçada de fora, mas nasce do reconhecimento de que o sintoma, antes visto como inimigo, é também um esforço de autopreservação que pode ser ressignificado e integrado.
O sintoma, na perspectiva gestáltica, pode ser compreendido como aquilo que o corpo conseguiu fazer com o excitamento. Quando uma necessidade emerge, mobiliza energia em busca de expressão e satisfação. Contudo, nem sempre essa energia encontra passagem livre: às vezes se desvia, se condensa, se interrompe, e o que resta é o sintoma – uma forma limitada, mas ainda assim criativa, de dar destino àquilo que não pôde se realizar plenamente. Nesse sentido, o sintoma não é um erro ou apenas um incômodo, mas a solução possível que o organismo encontrou para lidar com uma tensão não resolvida.
Para que o excitamento emerja de maneira viva, é necessário o espaço do vazio fértil. É no vazio que nos libertamos de convicções rígidas e padrões cristalizados, abrindo-nos ao inesperado. Esse campo de suspensão, aparentemente silencioso, é na verdade fértil, porque nele o novo pode surgir. Sem essa abertura, o excitamento não encontra passagem: ou permanece sufocado, ou se cristaliza em sintomas. O vazio fértil é, portanto, o solo em que o excitamento germina, transformando-se em gesto, palavra, encontro ou criação.
Na neurose, porém, esse processo se encontra bloqueado. O excitamento, em vez de fluir em direção ao contato, é reprimido. A energia vital, que poderia impulsionar mudanças e ajustamentos criativos, volta-se contra si mesma, mantendo a pessoa enrijecida em velhos padrões. Assim, a experiência perde frescor, e o organismo, em sua tentativa de se preservar, recorre a sintomas que funcionam como substitutos pobres da satisfação genuína.
Viver o excitamento de forma plena significa acolher o vazio fértil como possibilidade, confiar no espaço de não saber e permitir que dele brote o movimento novo. O sintoma, nesse horizonte, nos mostra não apenas onde há interrupção, mas também onde existe energia esperando para ser ressignificada e reconduzida ao fluxo criativo da vida.