Para Fritz Perls, o vazio não era um mero conceito, mas uma vivência visceral moldada por suas próprias feridas e reinvenções. Ele não o evitava — mergulhava em sua profundidade como quem reconhece ali o berço da transformação. “Quando aceitamos e entramos neste nada, no vazio, descobrimos que o deserto começa a florescer. E o vazio estéril torna-se o vazio fértil”, escreveu (Perls, 1977, p. 86). Em sua autobiografia, ecoa esse mesmo chamado: “Vazio fértil, fale através de mim” (Perls, 1979, p. 231), sinalizando que, para ele, o vazio era solo de vitalidade, criatividade e renovação.

O vazio fértil, nessa perspectiva, é mais que ausência — é um espaço de gestação, o intervalo entre o conhecido e o por-vir. É quando o cliente, ao renunciar à segurança do familiar, permite-se a abertura para novas configurações de si. Rodrigues (2011) descreve esse lugar como um ponto liminar entre o “abrir mão do conhecido” e o “adquirir-se novos conhecimentos”. No entanto, por seu desconforto, o vazio costuma ser visto como vilão, provocando recuos ao velho padrão ou precipitações em mudanças ilusórias.

Acolher o vazio é desenvolver resiliência diante da incerteza — aprender a não apressar respostas, nem forçar rumos. É libertar-se das exigências autoimpostas, respeitar o próprio ritmo e reconhecer que o verdadeiro crescimento é um processo que exige tempo, silêncio e presença. “Vazios, não deixamos de existir, mas caminhamos com mais leveza e flexibilidade para o encontro da vida com o inesperado porvir”, afirma Rodrigues (2011, p. 166).

Esse movimento exige que o cliente assuma sua liberdade — uma liberdade que, ao mesmo tempo que emancipa, cobra responsabilidade. Na Gestalt-terapia, ser responsável não é carregar culpas, mas cultivar a habilidade de responder: perceber, escolher, sustentar riscos e refazer-se quando necessário. É abandonar a vitimização e reconhecer-se como autor da própria existência. E isso implica abrir a porta do vazio — e não mais se esconder atrás do consolo estéril das certezas. A responsabilidade, aqui, é um compromisso radical com o viver.

Sustentar o vazio é como entrar numa sala escura e, aos poucos, permitir que a visão se adapte. Inicialmente desconcertante, essa travessia se revela profundamente fértil. O vazio liberta da apatia e do automatismo, convida à reavaliação e à reinvenção. Rompe padrões estéreis, convoca novas formas de ser — formas que, ao emergirem do presente vivido, revelam-se mais autênticas e conectadas com as reais necessidades do indivíduo.

Na Gestalt-terapia, as escolhas não são isoladas nem rígidas: nascem do campo, como respostas criativas à tensão entre o interno e o externo. O que é novo, para ser novo de fato, precisa brotar do aqui-agora, e não ser fruto de uma intenção neurótica que apenas foge da dor. Para Fritz, o vazio fértil não é um abismo a temer, mas um campo de possibilidades que floresce quando se cessa o esforço de controlar e se permite o atravessamento da experiência.

Esse vazio reorganiza nossas forças, desatando os nós da estagnação e nos tornando mais inteiros diante da vida. Com ele, surgem formas mais saudáveis de responder aos desafios — não por meio de fórmulas prontas, mas por gestos enraizados na realidade viva do momento. Na clínica, isso convida terapeuta e cliente a resistirem à tentação da pressa, sustentando a ansiedade sem preenchê-la com respostas fáceis. Ambos aprendem a habitar o paradoxo: preencher-se ao se esvaziar, encontrar-se ao se perder.

Nesse terreno fértil, o cliente pode, mesmo à deriva, começar a escutar o que emerge. E o papel do terapeuta não é o de conduzir, mas o de sustentar a presença com atenção e cuidado, facilitando o nascimento do novo. A Gestalt-terapia não busca eliminar conflitos, mas transformá-los em possibilidades de contato — um contato que, mesmo desconfortável, pode ser profundamente restaurador.

O terapeuta, ao manter-se disponível ao desconhecido, caminha com o cliente por essa “noite” até que uma nova “manhã” possa nascer. É nesse renascimento que o conflito se transmuta em aprendizagem e a frustração em ajustamento criativo. Para Fritz, a segurança verdadeira não está no controle, mas na confiança de fluir com a impermanência. O verdadeiro risco é permanecer preso à falsa proteção de uma vida estagnada. Só o movimento criativo permite apropriar-se da própria existência e manifestar a singularidade com inteireza.

Com seu estilo provocador, Fritz desmascarava as fugas do vazio — não por crueldade, mas por amor à inteireza. Desconstruía manobras defensivas, não para expor, mas para revelar. Seu compromisso era frustrar ilusões para libertar, confrontar para despertar. Convidava os clientes a escutar suas resistências, a enfrentar o que fora interrompido. Sabia que apenas atravessando o desconforto seria possível dissipar a confusão. “Ou enfrentamos a dor e o vazio, ou permaneceremos presos no ciclo da manipulação e da evasão”, advertia (Perls, 1977).

Como ele mesmo escreveu: “Você deve suportar e expressar a dor, concentrar-se com interesse, sem gritar por alívio. […] Frequentemente, é necessário passar ‘pelo’ inferno, não ‘em volta’ dele. […] O órgão doente quer atenção, não morfina” (Perls, 2002, p. 328). Fukumitsu reforça: “a fuga da dor é causadora de dor”. Francesetti completa: “Sentir dor não é psicopatologia; o que é patológico é não poder sentir dor. A psicopatologia é o modo de carregar experiências não atravessadas” (2021, p. 65).

A dor, nesse contexto, é chamada à mudança — não um castigo, mas um impulso para adotar uma nova postura existencial. Perls enfatiza: “Chamamos a atenção do paciente para essa evitação do desagradável” (1977, p. 23). E mais: “A concentração é o meio mais eficaz para curar distúrbios neuróticos e paranoides” (Perls, 2002, p. 370). Ribeiro (1999) ecoa: “Compete ao terapeuta ajudar o cliente a perceber que a dor do sintoma é mais dispendiosa do que o medo de arriscar-se — e que pequenas mudanças transformam toda sua existência” (p. 54).

Enfrentar a dor não é um fim, mas um meio de reconexão com a saúde. Fugir de si é correr em círculos: quanto mais se corre, mais se permanece no mesmo lugar. O conflito, na Gestalt-terapia, não é um inimigo: é uma energia a ser integrada. E isso só acontece quando o cliente se permite vivenciar seus impasses — não apenas refletindo, mas tocando-os com o corpo inteiro. Nesse mergulho, a energia antes bloqueada se libera e se transforma em potência de vida.

O vazio pode ter muitas faces: a perda de alguém, a dissolução de vínculos, o desemprego, a sensação de limbo, o medo da crítica, a paralisia diante do fracasso, o cansaço que não cessa. Suas defesas também são diversas: silêncios que abafam, discursos genéricos, posturas tensas, relações terapêuticas marcadas por desconfiança ou dependência. Mas em todas essas manifestações, o vazio continua sendo o mesmo chamado essencial: o de renunciar de defesas e certezas e abrir-se para a mudança; o convite a parar de fugir e, enfim, recomeçar.