A teoria de Maslow, conhecida pela célebre pirâmide das necessidades, nasce de uma profunda influência recebida de Kurt Goldstein, com quem ele teve contato direto em 1935, na Columbia University. Essa relação foi decisiva: Maslow não apenas se inspirou nos estudos organísmicos de Goldstein para fundamentar sua tese sobre motivação e necessidades humanas, como também lhe dedicou o livro Introdução à Psicologia do Ser. Goldstein acreditava na capacidade inerente de crescimento e autorregulação do ser humano, ideia que Maslow incorporou ao desenvolver sua proposta de que a psicoterapia deveria auxiliar cada pessoa a alcançar suas potencialidades. Essa visão conduziu-o a um papel central na consolidação da Psicologia Humanista, contribuindo para que ela fosse respeitada no âmbito acadêmico.
A carreira de Maslow se destacou em diferentes contextos. Em 1951, ele assumiu a presidência do Departamento de Psicologia da Universidade de Brandeis, onde aprofundou seus estudos sobre motivação e personalidade. Seu trabalho chamou a atenção de um professor de Administração do MIT, o que lhe abriu espaço para aplicar sua teoria também no campo dos negócios, sendo inclusive apoiado pelo magnata e filantropo John Rockefeller III. Essa expansão de seu pensamento o levou a influenciar não apenas a psicologia clínica, mas também áreas como a educação e a gestão organizacional.
Sua teoria hierárquica propõe que a motivação humana se organiza em níveis sucessivos. O ponto de partida são as necessidades fisiológicas — como respiração, alimentação, sono, sexo e excreção —, seguidas pelas necessidades de segurança, ligadas à proteção do corpo, da família, da propriedade e dos recursos. Quando essas bases estão razoavelmente satisfeitas, emergem as necessidades sociais, relacionadas ao afeto, ao amor e à amizade. Em seguida, ganham força as necessidades de estima, vinculadas ao reconhecimento, prestígio e autoestima. No topo da pirâmide, Maslow situou a autorrealização, entendida como o movimento de se desafiar e descobrir o próprio potencial, vivendo de maneira autêntica, em constante crescimento, acolhendo tanto as virtudes quanto as imperfeições.
De acordo com essa teoria, cada necessidade não satisfeita atua como força motivadora. À medida que uma é gratificada, outra de nível superior ganha destaque, orientando o indivíduo em sua interação com o ambiente. Esse processo gradativo demonstra que as necessidades mais vitais tendem a ocupar nossa atenção, dificultando que nos engajemos em questões mais complexas quando ainda estamos privados do básico. Contudo, Maslow jamais defendeu uma estrutura rígida. Ele próprio reconhecia que, em certos casos, a ordem pode se inverter: há pessoas que buscam autoestima antes de amor, acreditando que o poder ou o prestígio facilitarão a conquista de afeto.
Abordagem Centrada na Pessoa de Rogers
A partir da leitura de Goldstein, Rogers desenvolveu o conceito de “tendência atualizante”. O próprio Rogers enfatizou a relação de seu conceito de tendência atualizante com a Teoria Organísmica de Goldstein: “Não sou o único a ver tal tendência à realização como a resposta fundamental à questão do que faz um organismo funcionar. Goldstein, Maslow, Angyal e outros defenderam pontos de vista similares e influenciaram meu próprio pensamento” (Rogers, 1977/1978, p. 227 apud Moreira, 2010, p. 26). De acordo com este pensador, a tendência atualizante é um impulso intrínseco e espontâneo que motiva o indivíduo a aprender e mudar criativamente, alcançando a realização plena de suas potencialidades. Esse processo depende crucialmente de um ambiente facilitador que ofereça segurança emocional através da aceitação e do respeito, criando condições para que a pessoa possa prosperar (Moreira, 2009; Moreira, 2010; Mendonça, 2013) – isto é, para que possa fortalecer sua confiança nas próprias capacidades, dando vazão a sua tendência inata para o crescimento (Belmino, 2021).
Segundo Rogers, a tendência atualizante é uma motivação basilar que se manifesta tanto nas necessidades de manutenção (busca por preservação, por conservar as coisas como estão) quanto nas necessidades aperfeiçoamento (busca por aprender, por mudar, por crescer, por se aprimorar) (Moreira, 2009). Deste modo, defendeu uma perspectiva positiva quanto as potencialidades humanas, confiando na capacidade da pessoa de se autogerir de maneira autônoma e consciente – desde que estejam em um ambiente que promova seu crescimento pessoal (Mendonça, 2013; Ribeiro, 2017; Silva; Alves, 2020).
Central à prática da psicoterapia desenvolvida por Rogers, conhecida como Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), está a parceria entre psicólogo e cliente na liberação (isto é, no desbloqueio) dessa tendência atualizante. O objetivo é permitir que essa força emane de forma espontânea e natural, facilitando a redescoberta da autoestima e da autoconfiança, assim como promovendo o amadurecimento emocional (Moreira, 2009; Moreira, 2010; Belmino, 2021).
A ACP se baseia na crença de que a psicoterapia deve cultivar o surgimento de indivíduos abertos e receptivos a experiência, capazes de participar ativamente do próprio processo de autorrealização, assim como de se manifestar no mundo à própria maneira (Moreira, 2009). Para isto, sugere que a psicoterapia facilite que o cliente saia do estado de incongruência (caracterizado por um desacordo entre o “eu” e a experiência, no qual a pessoa perde a confiança na intuição organísmica, deixando de se guiar pelo fluxo espontâneo da tendência atualizante) em prol de um estado congruente (caracterizado pela harmonia e integração organísmica, na qual a pessoa se engaja em uma existência autêntica e espontânea) (Moreira, 2010; Belmino, 2021).
Rogers entendia que o estado de incongruência seria fruto de experiências prévias nas quais a pessoa não foi aceita incondicionalmente (Mendonça, 2013). Assim, enfatizou que, para uma intervenção terapêutica eficaz, são essenciais três condições simultâneas, que serão apresentadas a seguir.
A primeira condição é a “consideração positiva incondicional”, que reflete a capacidade de aceitar e acolher afetivamente o cliente sem precondições (isto é, sem que ele precise fazer algo ou ser de determinada maneira). E isso não significa concordar com tudo, mas sim dar ao cliente o sentimento de que ele tem valor independentemente de suas ações ou emoções. A aceitação incondicional cria um espaço onde o cliente pode se expressar com liberdade, sem medo de ser julgado ou rejeitado. É um acolhimento total, onde as defesas podem baixar e a autenticidade emergir. A segunda condição é a “empatia”, que permite ao terapeuta compreender profundamente a perspectiva do cliente (colocando-se, dentro do possível, em “seu lugar”). A empatia, para Rogers, é mais do que uma escuta ativa – é sentir com o cliente, é conseguir entrar na perspectiva dele e ver o mundo através dos seus olhos. A empatia cria uma conexão poderosa porque o cliente sente que alguém realmente o entende. Esse entendimento gera cura, pois o cliente se sente validado, reconhecido e capaz de explorar suas emoções sem medo. Por fim, a terceira condição é a “autenticidade”, que envolve a expressão clara e sincera dos próprios sentimentos e percepções do psicoterapeuta, facilitando um diálogo genuíno e construtivo – permitindo que o cliente reflita sobre como ele é experimentado. Rogers insistia que o terapeuta deve ser genuíno na relação, sem se esconder atrás de fachadas ou técnicas robotizadas (Moreira, 2010; Mendonça, 2013; Holanda, 2014; Belmino, 2021). Isso cria uma atmosfera de confiança, porque o cliente sente que está interagindo com alguém real, não com uma figura distante e impenetrável. Se o terapeuta está com raiva, ele não vai fingir que está calmo; se está confuso, ele admite isso.
Na ACP, a ênfase é redirecionada da resolução de problemas em prol do fortalecimento da congruência, maturidade e autonomia. Rogers descreve essa abordagem como não diretiva porque o psicoterapeuta não direciona o curso das sessões, assim como impõe soluções ou se esconde por detrás de técnicas. Em vez disso, assume o papel de criar um clima permissivo e democrático que permita ao cliente explorar suas próprias experiências e sentimentos sem medo. Em essência, busca construir um campo fértil onde as “sementes”, antes sufocadas, finalmente possam “florescer” (Ribeiro, 2017; Belmino, 2021). Eis a hipótese básica de Rogers: “Se posso proporcionar um certo tipo de relação, o outro descobrirá dentro de si mesmo a capacidade de utilizar aquela relação para crescer, e mudança e desenvolvimento pessoal ocorrerão” (Rogers, 2009).
A metodologia é centrada na troca rítmica de experiências entre psicoterapeuta e cliente, em meio as quais o primeiro respeitosamente repete e sintetiza as falas do segundo (Holanda, 2014). Portanto, o terapeuta não “cura” o cliente; em vez disso, facilita um processo pelo qual o cliente pode se curar. Assim, trata-se de uma perspectiva que coloca psicoterapeuta e cliente como parceiros em um processo colaborativo, focado na descoberta (Ribeiro, 2017) e eminentemente dialógico. Válido mencionar que, por conta da aproximação entre as ideias de Rogers e Buber, estes tiveram um frutífero diálogo teórico em uma conferência organizada pela Universidade de Michigan – esta ocorreu em 1957 e foi mediada pelo filósofo americano Maurice Friedman (Rogers; Buber, 2008). Segundo Rogers (2009) “É o próprio cliente que sabe aquilo de que sofre, qual a direção a tomar, quais problemas são cruciais, que experiências foram profundamente recalcadas” (p. 13 – grifo do autor).
O modelo psicoterapêutico desenvolvido por Rogers se distanciou significativamente das práticas médicas tradicionais, as quais se concentravam em diagnosticar e tratar doenças, e das abordagens pedagógicas que visavam corrigir comportamentos considerados desajustados pela sociedade. Deste modo, sua abordagem teve um papel crucial no reconhecimento dos psicólogos como profissionais capazes de conduzir psicoterapias. Antes de Rogers, apenas médicos eram autorizados a praticar psicoterapia nos Estados Unidos, mas seus esforços foram decisivos para mudar essa restrição (Belmino, 2021).
Apesar de Rogers ter criticado o estudo do ser humano por vias positivistas e de ter evitado o uso de jargões médicos (substituindo “paciente” por “cliente”, “neurose” por “sofrimento” e “adoecimento” por “incongruência”), dedicou-se a desenvolver uma psicoterapêutica fundada sobre pesquisas rigorosas, descrevendo, avaliando e analisando os resultados de seus atendimentos. Além de sua influência na psicologia clínica, Rogers também expandiu suas ideias para o campo da educação e das relações humanas no contexto familiar e no ambiente de trabalho, sempre enfatizando a recuperação da confiança humana em sua capacidade de crescimento e desenvolvimento (Belmino, 2021).