Em Nova York, Fritz reencontrou um ambiente semelhante ao de Berlim dos anos 1920. Como em sua juventude, voltou a frequentar círculos artísticos, boêmios e intelectuais. Ao lado de Laura, envolveu-se com grupos dissidentes que contestavam a banalidade e a hipocrisia das relações sociais. Nesse contexto, reacendeu seu interesse pelo teatro ao se aproximar do recém-formado Living Theatre.
Criado em 1947 por Judith Malina e Julian Beck, o Living Theatre destacou-se por sua proposta radical: transformar o teatro em instrumento de contestação social. Abordando temas como liberdade, justiça e antiautoritarismo, o grupo levou ao mundo apresentações imersivas e improvisadas, onde palco e vida se entrelaçavam, convidando o público ao envolvimento direto – o público era convidado a participar das cenas, construídas com improvisação e a partir de temas provocativos. Essa influência sobre Fritz lhe instigou a quebrar a postura terapêutica tradicional, convidando o cliente a entrar em cena durante a sessão, de maneira mais responsiva ao aqui-agora.
Foi também nesse período que Fritz passou a frequentar os cursos de Charlotte Selver sobre sensorial awareness, aprofundando sua percepção corporal. A proposta, ao mesmo tempo simples e transformadora, consistia em conectar-se com o próprio corpo por meio de exercícios psicofísicos que ampliavam a consciência do peso, calor, respiração e demais sensações, superando resistências e despertando uma escuta mais refinada de si mesmo.
Nova York tornou-se, assim, o berço de uma virada. Em meio às reconstruções do pós-guerra, Fritz e Laura mergulharam nas correntes existencialistas que moldavam o pensamento do século XX. A ideia central do existencialismo — de que não somos portadores de uma essência pré-definida, mas escultores de nossa própria existência — ressoou profundamente com a busca de Fritz por autenticidade.
Derivado do latim ex-sistere (“sair para fora”), o existencialismo rompe com o dualismo cartesiano ao rejeitar a noção de uma subjetividade isolada. Em vez disso, propõe que o ser humano está sempre em relação com o mundo, em constante interação e transformação. Essa vertente filosófica não busca leis universais, mas enfoca a experiência concreta e a criação de significados em meio aos contextos da vida. Existir, portanto, é estar em relação. A Gestalt-terapia aprofunda esse entendimento: existir não é apenas estar vivo, mas manifestar-se no mundo por meio do contato — canal por onde se experiencia a vida e se tece a realidade.
Nas palavras de Ribeiro (2017): “Existir é estar em movimento, é um processo de dentro/de fora/de dentro. O que acontece dentro e o que acontece fora estão em íntima ligação. São lados de uma mesma realidade […] modificando de forma dinâmica a realidade como um todo” (p. 157).
Jean-Paul Sartre (1905–1980) foi o primeiro pensador a se identificar como existencialista, embora o termo também tenha sido associado a Søren Kierkegaard (1813–1855) e Martin Heidegger (1889–1976). Dois esclarecimentos se fazem necessários: Kierkegaard, embora anterior ao surgimento do termo, é considerado o precursor do movimento e seu “pai espiritual”; já Heidegger rejeitava essa classificação, ainda que suas ideias frequentemente sejam vinculadas ao existencialismo.
Kierkegaard, teólogo por formação, refletia sobre a fé como uma experiência subjetiva e passional, não como adesão a dogmas ou doutrinas, mas uma fé vivida em sua interioridade, como uma relação pessoal com o absoluto, compromissando-se com aquilo que nos chama a ser mais do que somos. Defendia que o autêntico compromisso com a liberdade e com Deus exigia um salto no escuro — um mergulho na angústia para além da razão. O maior exemplo disso, para ele, é Abraão, que mesmo sem compreender racionalmente, estava disposto a sacrificar seu filho confiando em Deus. Para ele, a angústia é condição intrínseca à liberdade humana diante do campo aberto das escolhas, uma “tontura da liberdade”. Para ele, viver é arriscar-se: escolher é renunciar, assumir autoria, sustentar a incerteza, decidir sozinho por si. A angústia, longe de ser patológica, é um chamado à responsabilidade, um caminho para que o indivíduo compreenda suas motivações e atribua sentido à própria existência.
Como reforça Ribeiro (1999): “A individualidade é um dos princípios básicos do existencialismo. Isso significa que a pessoa humana é irrepetível e, muitas vezes, o que é bom para alguém ou para um grupo pode não ser bom para determinada pessoa” (p. 28).
Kierkegaard nos convida a abandonar respostas prontas e a enfrentar a incerteza de nossas próprias questões — refletindo sobre valores, prioridades e escolhas, a fim de decidirmos por nós mesmos o que constitui uma vida que vale a pena ser vivida. Suas reflexões rompem com teorizações abstratas, especialmente as da tradição hegeliana, em favor de um conhecimento existencial concreto, enraizado na experiência subjetiva.
Heidegger, discípulo de Edmund Husserl, distanciou-se da Fenomenologia clássica ao deslocar seu foco da epistemologia para a ontologia — o estudo do sentido do ser. Em sua obra, delineou duas formas de existência: a inautêntica e a autêntica. Na inautenticidade, o sujeito se desconecta de si mesmo, perde o espanto diante da vida e se entrega à rotina, ao conformismo e à massificação, vivendo no piloto automático. Já a autenticidade emerge quando o indivíduo encara a angústia de sua finitude e da ausência de um sentido prévio, assumindo a responsabilidade de construir sua existência.
Para Heidegger, ambas as formas fazem parte da condição humana. Seu propósito não era abolir a inautenticidade, mas impedir que ela se tornasse permanente. Assim, a angústia não é um desconforto a ser evitado, mas um chamado para despertar — uma força que nos chacoalha da posição de inautenticidade, convidando-nos a viver com presença, liberdade e significação.
Sartre, por sua vez, viveu o existencialismo como convocação pública. Intelectual engajado, transitou entre a filosofia, a literatura, o teatro e o cinema, criando personagens que enfrentavam crises e se lançavam no exercício ativo da liberdade, tanto pessoal quanto coletiva.
Para Sartre, o ser humano é essencialmente um vazio — um “nada” que o torna livre para ser. Esse vazio não é falha, mas a condição da consciência (para-si), que não possui essência própria, definindo-se apenas pela negação e pela capacidade de se projetar além do que é. Livre das amarras de uma identidade fixa, o ser humano é um projeto inacabado, constantemente obrigado a escolher e a refazer sua escolha — condenado à liberdade.
Como escreveu: “O homem está inteiramente abandonado, sem qualquer ajuda de nenhuma espécie, à insustentável necessidade de fazer-se ser até o mínimo detalhe” (Sartre, 1977, p. 545 apud Pereira, Mello e Bervique, 2014, p. 5).
A liberdade, para Sartre, é absoluta — e, por isso mesmo, insuportavelmente exigente. Nada está dado: tudo precisa ser escolhido. Ser humano, em última instância, é tornar-se, ato após ato, autor da própria existência.