O Positivismo, enquanto doutrina filosófica, emergiu de um entusiasmo quase religioso pelo progresso social e científico, erguendo a ciência e a razão como pilares absolutos para a compreensão e organização da realidade. Apresentava-se como uma autêntica “religião da humanidade”, defendendo uma fé inabalável na ciência, em detrimento das explicações teológicas, das abstrações metafísicas e até mesmo do senso comum (Marcondes, 2010). Para os positivistas, somente o método científico experimental seria capaz de produzir conhecimento legítimo — válido tanto para as ciências naturais, como a Física, a Química e a Biologia, quanto para as ciências humanas, como a Sociologia e a Psicologia (Marcondes, 2010; Cardoso, 2018).

Essa cosmovisão baseava-se na crença de que o pensamento humano evolui por três estágios: o teológico, em que os fenômenos são explicados por forças sobrenaturais; o metafísico, dominado por concepções abstratas; e o científico, considerado o ápice da maturidade intelectual e social. Neste último estágio, o método científico se tornava a ferramenta definitiva para desvendar as leis que regem os fenômenos, oferecendo à sociedade os meios para prever e controlar tanto a natureza quanto o comportamento humano — uma proposta que dialogava diretamente com os anseios do capitalismo emergente e da industrialização (Marcondes, 2010).

Como destaca Holanda (2014, p. 54), “o positivismo faz a exaltação da ciência como o único caminho para a solução dos problemas humanos e sociais”. Essa postura radical implicava que apenas fatos empíricos, submetidos a critérios rigorosos de investigação experimental e análise sistemática, poderiam constituir conhecimento confiável. Abstrações filosóficas ou teorias especulativas eram descartadas como incapazes de alcançar a essência dos fenômenos (Bock; Furtado; Teixeira, 1999; Cardoso, 2018).

A partir dessa lógica, o conhecimento passou a ser produzido de forma criteriosa, sistemática e controlada — atributos que não apenas garantiam sua confiabilidade, mas também facilitavam sua transmissão, verificação e aplicação prática (Marcondes, 2010). Com isso, o método experimental consolidou-se como um marco de utilidade e legitimidade, moldando profundamente os contornos da ciência moderna e influenciando duradouramente as estruturas sociais, culturais e econômicas.

Um exemplo ajuda a ilustrar essa abordagem: imagine um sociólogo positivista diante do aumento da criminalidade em determinada cidade. Ele não buscaria explicações em crenças religiosas ou doutrinas metafísicas. Em vez disso, utilizaria um protocolo padronizado de coleta e análise de dados — avaliando fatores como desigualdade socioeconômica, índices de desemprego e histórico educacional. Com base nessas evidências, identificaria causas concretas e proporia políticas públicas direcionadas à redução dos crimes.

Sob essa mesma influência, a Psicologia se emancipa da Filosofia e começa a se estruturar como ciência autônoma. Rompe com a especulação metafísica e adota a pesquisa experimental como eixo metodológico central (Belmino, 2018). Delimita seu objeto de estudo ao comportamento, à vida psíquica e à consciência, alicerçando-se em práticas que valorizam a observação rigorosa, a mensuração precisa e a replicabilidade dos experimentos (Bock; Furtado; Teixeira, 1999).

No entanto, é justamente contra esse predomínio da objetividade desumanizada que se ergue a Psicologia Humanista, da qual a Gestalt-terapia é uma expressão potente. Enquanto a tradição positivista procurava medir, categorizar e muitas vezes desconsiderar a subjetividade, o olhar humanista reafirma a singularidade de cada ser. Parte-se do princípio de que nenhuma forma de existir emerge do acaso ou do vácuo: todo modo de ser carrega uma coerência interna, ainda que tal coerência resulte em sofrimento ou estagnação. Em vez de suprimir sintomas ou reduzir experiências a diagnósticos, a Psicologia Humanista propõe uma escuta que investiga, compreende e transforma.

Desse modo, até mesmo o que se convencionou chamar de “transtorno” pode ser compreendido como uma resposta adaptativa, uma estratégia que, em determinado momento, fez sentido no campo de vida daquela pessoa. Esse olhar não nega o sofrimento — mas o recontextualiza, convidando-nos a perguntar: O que esta dor quer revelar? O que ela tenta preservar, esconder ou resgatar?

Na prática clínica, essa postura se manifesta de forma concreta. Quando um cliente chega dizendo que está deprimido, fóbico ou confuso, não o enxergamos como um conjunto de disfunções a serem corrigidas. Vemos esses estados como expressões legítimas do campo — vozes que pedem escuta, gestos interrompidos que merecem continuidade. É um modo de reconhecer o sofrimento sem aprisioná-lo numa etiqueta, e sim transformá-lo num ponto de partida para o encontro.

Ser um terapeuta humanista não é apenas escolher uma técnica. É adotar uma postura ética e existencial. É recusar o conforto dos rótulos para sustentar a presença diante do humano em processo. É acreditar que, por trás de cada sintoma, há um sujeito em busca — não de cura, mas de sentido. E, sobretudo, é oferecer uma relação de autenticidade, respeito e confiança, onde o outro possa se autorregular, não por imposição externa, mas por reconexão interna.

Isso se reflete até mesmo na linguagem: o termo “cliente”, em vez de “paciente”, sinaliza uma mudança de paradigma. “Paciente” sugere passividade, alguém que espera ser curado. Já “cliente” implica parceria, implicação, autonomia. Nesse encontro, o terapeuta não se coloca acima, mas ao lado — não como quem detém a solução, mas como quem sustenta o espaço onde a solução pode emergir.

Na Gestalt-terapia, o cliente é compreendido como um ser ativo, autônomo e em constante processo de criação de si (Holanda, 2014). Não se trata de adaptar o sujeito a normas externas, mas de ajudá-lo a encontrar formas mais autênticas de viver sua totalidade. A mudança, portanto, não visa a normalização, mas a expansão do existir (Ribeiro, 1999).

Nesse contexto, a autenticidade é central. Não como licença para agir impulsivamente, mas como um compromisso de coerência entre o que se sente e o que se expressa. Viver autenticamente é cultivar discernimento, presença e coragem para responder ao excitamento que brota do campo.

O excitamento, nesse sentido, é a energia vital que nos mobiliza ao contato — a força que nos chama para aquilo que importa. Quando, porém, a vida se torna uma estratégia de evitação do sofrimento, essa energia é bloqueada. O resultado é uma existência pálida, congelada, onde o novo não floresce. A Gestalt-terapia, então, oferece um espaço fértil para experimentação, onde o cliente pode recuperar sua potência, acessar novos caminhos e reencontrar sentido.

Nesse horizonte, saúde não é a ausência de dor, tampouco a obediência a modelos normativos. Saúde, aqui, é integração: é a capacidade de viver de forma consciente, criativa e presente. É sair do piloto automático e assumir a autoria da própria vida.

Porque, no fim das contas, uma existência plena não é aquela livre de sofrimento — mas aquela em que o sofrimento não governa. Quando o indivíduo se permite ser, em sua autenticidade, ele não apenas encontra sentido, mas se torna agente da própria história. Deixa de sobreviver e começa, enfim, a viver.

A origem da Psicologia Humanista está intrinsecamente ligada à figura de Abraham Maslow (1908–1970), amplamente reconhecido como seu “pai fundador” (Castañon, 2007; Perrone; Tridapali, 2021). Embora Maslow tenha iniciado sua carreira como um psicólogo experimental brilhante (Castañon, 2007), foi a partir da década de 1950 que sua trajetória tomou outro rumo: suas ideias — centradas em temas como motivação, autorrealização e necessidades humanas — começaram a esbarrar em resistências significativas para publicação nos periódicos tradicionais da APA (American Psychological Association) (Branco; Silva, 2017). Aquilo que ele propunha não se encaixava no escopo pragmático e reducionista dominante à época. Eram ideias marginais, mas potentes.

Em resposta a esse cenário de tensão e exclusão, Maslow articulou, em 1954, uma rede de correspondência com psicólogos igualmente inquietos, insatisfeitos com os rumos da Psicologia americana (Holanda, 2014). Esse gesto, aparentemente modesto, tornou-se a semente de uma revolução silenciosa.

Naquele período, o panorama da Psicologia nos Estados Unidos era fortemente marcado pelo pragmatismo, voltado a resultados rápidos e objetivos mensuráveis. O Behaviorismo de John B. Watson (1878–1958) se destacava como uma proposta centrada na observação e correção de comportamentos, afastando-se de qualquer consideração sobre a subjetividade. Paralelamente, com a chegada de psicanalistas europeus refugiados das guerras, a Psicanálise se estabelecia no país, adaptando-se às demandas clínicas de tempos traumáticos: sessões breves, focadas e orientadas à funcionalidade. Foi sobre esse solo árido — entre o reducionismo comportamental e a rigidez diagnóstica — que floresceu a Psicologia Humanista (Belmino, 2021).

Já no primeiro ano, a lista de Maslow contava com 125 nomes (Castañon, 2007). Entre eles, Carl Rogers, Rollo May, Kurt Goldstein, Anthony Sutich e Gordon Allport — pensadores que, embora diversos em seus enfoques, partilhavam uma inquietação comum: a urgência de uma Psicologia que respeitasse a complexidade e a dignidade da experiência humana. Dessa rede informal nasceu a Rede Eupsiquiana, inspirada em uma visão utópica, anarquista e baseada na liberdade e na tolerância (Branco; Silva, 2017). Não se tratava apenas de produzir ciência, mas de reimaginar a relação entre o saber psicológico e a vida humana.

Esse ambiente de colaboração e experimentação tornou-se o embrião de uma nova comunidade científica. Em 1961, a Rede deu origem ao Journal of Humanistic Psychology e, dois anos depois, à American Association for Humanistic Psychology (AAHP) — marcos institucionais do nascimento oficial da Psicologia Humanista (Castañon, 2007; Holanda, 2014; Branco; Silva, 2017).

A AAHP, por sua vez, se posicionou inicialmente à margem da APA, realizando congressos paralelos que, em muitos casos, atraíam mais participantes do que os eventos da associação tradicional (Branco; Silva, 2017). O reconhecimento formal, porém, veio em 1971, quando a APA oficializou o movimento, criando a Division of Humanistic Psychology. Essa legitimação refletia o impacto crescente da abordagem, cujos valores também ecoaram nos mandatos presidenciais de Carl Rogers (1947) e Abraham Maslow (1968) na própria APA (Holanda, 2014).

Com isso, programas de formação inspirados na Psicologia Humanista começaram a se multiplicar. Um dos espaços mais emblemáticos foi o Instituto Esalen, na Califórnia — centro fervilhante de seminários, vivências e experimentações terapêuticas, que se tornou um verdadeiro laboratório da subjetividade contemporânea (Holanda, 2014). A partir da década de 1990, várias de suas abordagens passaram a compor os currículos acadêmicos de Psicologia, demonstrando que o que antes era marginal agora se tornava base (Faria, 2012).

Esse movimento definiu-se como a “Terceira Força da Psicologia”, contrapondo-se ao Behaviorismo (Primeira Força) e à Psicanálise (Segunda Força) (Mendonça, 2010; 2013). No entanto, ao contrário de um terceiro polo fixo, a Psicologia Humanista sempre foi porosa e híbrida, nutrindo-se de múltiplas fontes: Humanismo, Fenomenologia, Existencialismo, Psicologia da Gestalt, Teoria de Campo, Holismo e Teoria Organísmica (Júnior, 1996), além de elementos neopsicanalíticos oriundos de autores como Adler, Rank, Jung, Reich, Ferenczi, Horney, Sullivan e Erikson (Holanda, 2014).

Sua constituição foi igualmente moldada pelo espírito da Contracultura, pela filosofia dialógica e pelo pragmatismo americano, que imprimiram marcas indeléveis em seus princípios e práticas (Belmino, 2021). A Psicologia Humanista nunca foi um bloco homogêneo. Sempre foi, e continua sendo, um campo vivo, em constante diálogo com seu tempo.

Enquanto matriz filosófica, o Humanismo tem raízes no Renascimento, quando o olhar do mundo se desloca do divino para o humano. Rompendo com a visão teocêntrica medieval, o Humanismo afirma o ser humano como centro do conhecimento e da vida, destacando sua dignidade, liberdade e capacidade criativa (Holanda, 2014; Ribeiro, 1985; 1999). Essa mudança de eixo cultural reverberaria séculos depois, abrindo espaço para a Psicologia que aposta na potência do humano como princípio inegociável.

No século XX, novas influências enriqueceram esse movimento. Embora Maslow e Rogers não tenham sido formados dentro da Fenomenologia ou do Existencialismo, nomes como Rollo May e Paul Tillich foram pontes fundamentais para a integração dessas filosofias ao campo humanista (Júnior, 1996; Sá, 2006; Belmino, 2021). May, inclusive, traduziu e difundiu obras de Kierkegaard e Sartre, inserindo temas como angústia, liberdade e sentido no coração da Psicologia norte-americana (Belmino, 2021).

A psicopatologia fenomenológica também deixou sua marca, ao propor uma escuta do sofrimento a partir da vivência do sujeito — sem rotulá-lo, sem reduzi-lo. Trata-se de compreender, antes de corrigir. De habitar a experiência, antes de interpretá-la (Francesetti, 2021). Ainda que a Psicologia Humanista valorize a tendência natural à autorrealização, e o Existencialismo sustente que a existência precede a essência, ambas as vertentes convergem na recusa ao reducionismo, na ênfase à autonomia e à presença significativa (Sá, 2006; Castañon, 2007; Holanda, 2014). Por isso, muitos autores falam, com propriedade, em uma “Psicologia Humanista-existencial” (Júnior, 1996; Belmino, 2021).

Outro vetor crucial foi a Contracultura dos anos 1960. O espírito libertário da época — marcado por críticas às normas sociais, luta por direitos civis, oposição à Guerra do Vietnã e experiências comunitárias alternativas — ressoava profundamente com os valores humanistas. Instituições como o Instituto Esalen tornaram-se palcos de vivências intensas e transformadoras, ancoradas em autenticidade, autoexpressão e autorrealização (Júnior, 1996; Veras, 2005; Helou, 2015).

Por fim, o pragmatismo americano também imprimiu sua marca. Como corrente filosófica que valoriza a efetividade das ideias no cotidiano, ele trouxe à Psicologia Humanista o princípio de que o saber psicológico deve resultar em transformações concretas na vida das pessoas — não como prescrição, mas como ampliação de consciência (Belmino, 2021).

Dessa forma, a Psicologia Humanista consolidou-se como um movimento que, ao mesmo tempo em que questionava os limites do Behaviorismo e da Psicanálise, soube integrar influências diversas. Constituiu-se como uma abordagem inovadora, profundamente enraizada em seu tempo, mas ainda surpreendentemente atual — na defesa incondicional da dignidade humana, da liberdade de ser e do potencial criador que habita cada um de nós.