Antes de apresentar uma metodologia para orientar o processo clínico de ampliação da awareness, é necessário fazer uma ressalva fundamental: qualquer modelo corre o risco de se tornar um atalho para o afastamento da experiência viva. E é justamente isso que a Gestalt-terapia não pode ser. A clínica não é lugar de aplicação mecânica de estruturas, mas um campo pulsante, onde algo único se dá a cada encontro. O que orienta o processo não é o que o terapeuta planeja ou deseja, mas aquilo que emerge no ritmo do cliente, a partir de sua própria direção. É a presença fenomenológica, atenta e sensível, que garante que o trabalho não se reduza a discursos sobre a experiência, mas se mantenha enraizado na experiência em si.

Por outro lado, sobretudo para quem está começando, a ausência de referências pode gerar insegurança, paralisia ou mesmo o uso inconsciente de padrões rígidos disfarçados de espontaneidade. Por isso, este capítulo propõe uma forma de organizar o olhar – uma espécie de muleta provisória, não para aprisionar o terapeuta, mas para clarear o caminho enquanto o caminhar ainda é hesitante. No início, é natural que o aprendiz se agarre a frases, trejeitos ou intervenções herdados de seus mestres, pois ainda está gestando sua própria forma de presença clínica. Isso não é um problema, desde que faça parte de um movimento de descoberta.

A Gestalt-terapia, contudo, pede autenticidade. Em algum momento, o terapeuta precisará se perguntar: “Quem sou eu na clínica?”. Não como conceito teórico, mas como presença encarnada. Será preciso, pouco a pouco, desapegar do mestre para tornar-se mestre de si. Copiar é natural no começo, mas viver eternamente na imitação não. A clínica começa a ser verdadeiramente sua quando se permite criar, arriscar e improvisar; quando deixa de ser eco e se torna corpo.

O ápice do ofício, porém, acontece quando o terapeuta é capaz de se esvaziar de si, como dizia Fritz Perls: “Quando eu atendo, torno-me nada. Sou o que o cliente precisar que eu seja.” Isso não significa anular-se, mas disponibilizar-se para o contato pleno, ajustando-se à relação com inteireza. Ser terapeuta, nesse ponto, não é aplicar uma técnica nem repetir padrões, mas oferecer presença viva, capaz de responder com flexibilidade e verdade à singularidade de cada encontro.

“Mapa e mistério” traduz a tensão entre o amparo que a teoria oferece e a entrega que a clínica exige. O mapa é o referencial inicial, útil sobretudo a quem começa. O mistério é o que só se revela no calor do encontro, no frescor do aqui-agora que nenhum manual antecipa. A Gestalt-terapia acontece justamente nesse equilíbrio: caminhar com o mapa nas mãos, mas com olhos e coração abertos ao que emerge. Habitar essa corda bamba entre estrutura e improviso, entre o conhecido e o inédito, entre o que se aprende e o que se vivencia. A teoria aponta direções, mas é o contato que revela o terreno.

É nesse terreno vivo e imprevisível que a awareness se expande. Ela nasce no encontro autêntico entre terapeuta e cliente, em um espaço livre de interpretações precipitadas, preconceitos ou moldes prévios. O propósito da psicoterapia não é oferecer respostas prontas, mas criar condições para que o cliente descubra novas formas de organizar e significar suas experiências. Assim, a terapia se torna uma jornada compartilhada, na qual terapeuta e cliente investigam juntos o tecido da vivência, permitindo que compreensões novas surjam organicamente (Ribeiro, 2017).

Muitas vezes, esse caminho se abre por meio de perguntas aparentemente simples que despertam a atenção do cliente para si mesmo. Questões como “Tive a impressão de que… é isso mesmo?” ou “Que significado você deu a essa situação?” o convidam a explorar sua vivência a partir dos significados que ele próprio constrói (Joyce; Sills, 2016).

Cada sessão, nesse sentido, pode ser compreendida como um processo dinâmico sustentado por três momentos interligados. O primeiro é “acolher e investigar”: o terapeuta se posiciona com escuta atenta e desarmada, sustentando a experiência tal como ela se manifesta, sem pressa de interpretar. Depois vem “devolver e instigar”: uma devolutiva fenomenológica, clara e cuidadosa, que reflete ao cliente o que foi percebido, convidando-o a olhar de novo para si sob nova luz. Por fim, “polir e responsabilizar”: momento em que sentidos e implicações são refinados, ampliados e ressignificados. Aqui, o cliente é chamado a se implicar, escolhendo como deseja responder ao que emergiu. Essa responsabilização não traz o peso da culpa, mas a potência da liberdade: é o instante de deixar para trás automatismos e se aproximar de formas mais autênticas de estar no mundo.

O acolhimento inaugura o percurso. Não é aceitação passiva, mas presença ativa, que respeita o tempo do cliente e oferece espaço fértil para que ele se revele. Muitas vezes, o fenômeno não emerge por falta de conteúdo, mas por falta de clima. Sem acolhimento, não há investigação. Sem escuta respeitosa, a verdade não ousa nascer.

O terapeuta, então, investiga não só o que é dito, mas como é dito: os silêncios, o tom de voz, os gestos, as incongruências sutis. Perguntas simples como “O que acontece em você ao dizer isso?” convidam o cliente ao contato mais profundo, fortalecendo a integração entre corpo, mente e emoção. Essa escuta exige delicadeza e a atitude fenomenológica de suspender julgamentos, como propôs Husserl, permitindo que o vivido se manifeste em sua particularidade.

As perguntas, aqui, não são instrumentos de inquisição, mas convites à exploração. Elas iluminam figuras, ressignificam o campo e abrem janelas para novas compreensões. Assim, cada suspiro, cada pausa, cada gesto se torna material de contato. O cliente começa a se ver com mais precisão e inteireza.

Essa metodologia clínica exige que o terapeuta se lance no “escuro fértil” da relação, confiando que a autorregulação do cliente trará à tona o que precisa emergir. O trabalho não é oferecer atalhos, mas sustentar o vazio onde novas possibilidades podem nascer. Nesse espaço, o que parecia sintoma isolado se revela como expressão legítima do campo; e o que era difuso se organiza em novas configurações.

Para isso, é essencial que o terapeuta também esteja em contato com o que se move dentro de si. Emoções, tensões ou até a ausência de afeto são fenômenos do campo e precisam ser escutados com responsabilidade. Até mesmo o choro do terapeuta, se for expressão autêntica, pode ser ponte. E o “não sentir” também fala: pode ser defesa, eco do cliente, suspensão do campo. O importante não é sentir a emoção “certa”, mas estar consciente do que há – ou do que falta.

Na clínica, não é preciso ocupar o lugar de quem sabe tudo, mas de quem está disposto a estar. Estar, às vezes, é também se perder. E tudo bem. Porque a prática clínica não se constrói sobre controle, mas sobre coragem. Coragem de dizer “não sei”, “não entendi”, “não senti” – e, ainda assim, permanecer. Fingir saber rompe o contato; assumir o não saber o fortalece. É nesse espaço de autenticidade que a awareness se expande e que a transformação se torna possível.

Acolher, em sua raiz mais profunda, é permitir que o outro seja — sem que precise se justificar ou se ajustar. É um gesto radical de confiança na experiência do cliente como algo válido em si. Esse acolhimento acompanha com presença encarnada. Ele diz silenciosamente: “Estou aqui, com você, como você é agora, não como acho que deveria ser.”

Investigar é quase um “contemplar”; o terapeuta investiga com os sentidos, com o corpo, com a atenção aberta. Ele se deixa afetar pelo cliente, sem perder-se nele. A investigação verdadeira começa quando o terapeuta percebe que tudo no cliente – até o que parece patológico – tem uma função. Uma intenção. Uma sabedoria.

Por isso, essa escuta precisa ser organísmica e holística. Organísmica no sentido de confiar que o cliente está, mesmo em seu sofrimento, tentando sobreviver e/ou crescer. Não se investiga o outro para ajustar o que está errado, mas para compreender como ele está se organizando para manter alguma forma de equilíbrio possível. E holística no sentido de reconhecer que seus ajustamentos não acontecem isoladamente, mas estão entrelaçados a tudo: sua cultura, sua história, seu corpo, sua linguagem, sua presença ali na sala, agora.

O terapeuta não pode ser cego a esse campo. Ele é parte dele. Seu afeto, sua irritação, sua empatia, sua distração — tudo está em jogo. Investigar é também investigar a si no encontro.

Acolher e investigar, portanto, é deixar-se atravessar pelas forças do campo, sabendo que elas não pertencem nem ao cliente nem ao terapeuta, mas aos dois. É sustentar a tensão entre o que aparece e o que ainda não ousa aparecer. É segurar a respiração diante da dor sem querer abafá-la. É enxergar sentido onde tudo parece desconexo.

Na prática, isso significa ouvir o que está sendo dito, mas também notar o que está sendo evitado. Observar onde o cliente hesita, onde ri nervosamente, onde repete frases prontas. Sentir o cheiro da introjeção, o peso da projeção, a rigidez da retroflexão. Perceber isso possibilita que o fenômeno-cliente se revele, iluminando necessidades e gestalten inacabadas.