Sistema cognitivo
Dentro do ciclo de contato, o sistema cognitivo ganha protagonismo principalmente nas fases finais, onde se realiza a integração da experiência vivida: o contato final, a satisfação e a retirada. Cada um desses estágios possui uma função específica no fechamento das gestalten e no restabelecimento do equilíbrio organísmico. No entanto, bloqueios típicos podem impedir o fluxo natural dessas fases, gerando ajustamentos neuróticos que dificultam a fluidez da experiência. São eles: a retroflexão, o egotismo e a confluência.
Contato Final e Retroflexão
Contato final é a etapa em que a energia mobilizada para a satisfação da necessidade atinge seu pico e começa a declinar. Aqui, o organismo permite que o excitamento se extinga de forma natural. Nesse momento, é essencial reconhecer o próprio limite, acolher a imperfeição e aceitar que nem tudo pode ser terminado como se idealizou. Trata-se de uma fase em que se aprende a “não apressar o rio”, a confiar no ritmo próprio da vida.
A retroflexão bloqueia esse processo. Nela, a energia que deveria ser dirigida ao mundo ou ao outro é contida e redirecionada contra o próprio self. A pessoa se torna seu próprio inimigo, sabotando-se, exigindo perfeição, censurando suas limitações e impondo-se metas inalcançáveis. A retroflexão se expressa na autocobrança constante, no adiamento interminável de conclusões, na incapacidade de se satisfazer com o possível. É uma divisão interna entre um agente (o eu que exige) e um paciente (o eu que sofre). Autoexigência pelo método em prol de não falhar, não ser inadequado ou insuficiente.
Facilitando a cura: Para sair da retroflexão, é preciso restaurar a capacidade de reconhecer o valor do que já foi feito, confiar nos limites e descansar sem culpa. A cura passa por desenvolver autocompaixão, experimentar permissividade e recuperar a espontaneidade. O terapeuta pode ajudar o cliente a perceber as exigências impostas pelo “dominador” interno (topdog) e apoiar o “dominado” (underdog) a expressar suas resistências de forma consciente. A integração desses dois aspectos permite o alívio da tensão interna e a retomada do fluxo vital.
Satisfação e Egotismo
Satisfação é o momento em que o organismo assimila a experiência, nutre-se, acolhe os frutos do contato e integra os aprendizados. Aqui, ocorre o fechamento da gestalt: a energia mobilizada encontra repouso, e a figura se desfaz no fundo com sentido e completude. A pessoa se abre ao mundo, reconhecendo que a vida é feita também de partilha e reciprocidade.
O egotismo interrompe essa fase. Trata-se da fixação no controle e na vaidade. A pessoa egotista quer dominar a experiência, moldá-la segundo suas próprias expectativas e ideais, impedindo a espontaneidade do processo. Fixa-se na própria imagem, busca admiração, evita surpresas e transforma relações em instrumentos de autoafirmação. Por medo de se sentir inferior, abandona a experiência genuína em troca da vitória. Resultado: não assimila o que viveu, pois já está buscando a próxima conquista; quer sempre mais.
Facilitando a cura: Romper o egotismo exige abrir-se à vulnerabilidade. O terapeuta convida o cliente a sentir, e não apenas compreender. É preciso atravessar o orgulho, reconhecer a interdependência e permitir-se ser tocado. A cura emerge da cooperação, da empatia e do encontro verdadeiro. Quando a pessoa consegue relaxar o controle, pode enfim usufruir das conquistas com alegria genuína, deixando-se completar pela experiência.
Retirada e Confluência
Retirada é o estágio final do ciclo, em que o organismo se desliga da experiência vivida, desinvestindo energia, desfazendo a figura e retornando ao fundo. É a hora de se diferenciar do contato, reconhecer que algo foi vivido e agora pode ser deixado para trás. A retirada é o portal do vazio fértil, de onde novas gestalt podem emergir.
A confluência é o bloqueio dessa retirada. A pessoa funde-se ao outro ou à experiência, não consegue distinguir seus próprios limites, nem reconhecer o fim de um processo. Nega a separação por medo da solidão, da perda ou do vazio. A confluência gera dependência, passividade e uma sensação de estagnação. A gestalt permanece inacabada, encharcando o fundo com pendências mal resolvidas.
Facilitando a cura: Atravessar a confluência é aceitar a diferença. O terapeuta apoia o cliente a perceber seus contornos, a reconhecer o que é seu e o que pertence ao outro. Ao cultivar a diferença, a pessoa descobre sua individualidade e ganha liberdade para seguir seu próprio caminho. A retirada passa a ser uma escolha ativa, e não um abandono. Então, o vazio deixa de ser temido e se torna terreno fecundo para novas possibilidades.
Consideração Final
O sistema cognitivo do contato é um artifício sofisticado da existência, que permite ao ser humano experimentar, compreender e transformar. Mas quando enrijecido, transforma-se em armadilha, alimentando bloqueios que interrompem o ciclo vital. Atravessar retroflexões, egotismos e confluências é um convite à integração. E o processo terapêutico, quando sustentado por presença e escuta, pode ser a arena sagrada onde esses bloqueios se dissolvem, e o self reencontra sua capacidade de dançar com o campo.
Assim, mais do que “resolver problemas”, trata-se de recuperar o fluxo: permitir que a experiência siga seu curso, do excitamento à satisfação, da presença à retirada. Um ciclo se fecha, e o vazio fértil se abre, convidando a vida a acontecer novamente.