Martin Buber (1878-1965) foi uma das figuras centrais da filosofia do século XX, reconhecido sobretudo por sua filosofia dialógica, que valoriza o encontro autêntico entre seres humanos. Para ele, a vida verdadeira é encontro, e todo diálogo genuíno acontece quando duas pessoas se reconhecem como sujeitos plenos, impactando-se mutuamente e respondendo uma à outra em sua singularidade. Essa perspectiva o levou a criticar os regimes totalitários e a engajar-se em movimentos de paz, especialmente aqueles que buscavam a reconciliação entre judeus e árabes na Palestina, sempre pelo caminho do diálogo.

Sua obra diferencia dois modos fundamentais de relação: Eu-Isso e Eu-Tu. A relação Eu-Isso é utilitária, marcada pela objetificação e pela superficialidade; nela, o outro aparece como meio para um fim. Embora inevitável na vida cotidiana, quando se torna predominante empobrece a existência, pois reduz a pessoa a um objeto manipulável. Já a relação Eu-Tu é autêntica e transformadora: nela, os indivíduos se dedicam integralmente ao momento presente, abrem-se à alteridade e permitem ser modificados pela interação. É nesse espaço que Buber situa o “entre”, uma dimensão em que se revela o sagrado na experiência humana — não como algo separado do mundo, mas integrado à vida concreta, no encontro respeitoso e digno com o outro.

Esse pensamento exerceu forte influência sobre o movimento humanista e, particularmente, sobre a Gestalt-terapia. A ênfase buberiana na confirmação — entendida como o reconhecimento da singularidade do outro — foi incorporada como fundamento essencial da relação terapêutica. O encontro psicoterapêutico torna-se, assim, um espaço de presença e hospitalidade, onde a pessoa pode sentir-se validada tal como é, abrindo-se para a possibilidade de transformação.

Laura Perls, inspirada nessa perspectiva, trouxe à Gestalt-terapia um contorno mais acolhedor. Enquanto Fritz Perls enfatizava o rompimento das dependências externas em busca do autossuporte, Laura ressaltava a legitimidade do heterossuporte: antes de sustentar-se por si mesmo, muitas vezes o cliente necessita de um “ninho seguro”, uma base relacional que lhe ofereça confiança e apoio. Para ela, tanto o heterossuporte quanto o autossuporte possuem lugar na jornada terapêutica, constituindo etapas complementares do crescimento humano.

Na prática clínica gestáltica, a influência buberiana se revela na centralidade do diálogo e da presença do terapeuta. A relação não é vista como técnica aplicada a um paciente, mas como encontro entre duas existências, onde inclusão, confirmação e entrega ao “entre” tornam-se atitudes fundamentais. Estar presente, escutar sem antecipar sentidos, acolher sem tentar moldar: é nesse espaço que o cliente pode reencontrar sua inteireza e ampliar suas possibilidades de contato.

Como apontam Hycner e Jacobs, “o paradoxo do espírito humano é que não sou completamente eu mesmo até que seja reconhecido em minha singularidade pelo outro — e esse outro precisa do meu reconhecimento para tornar-se quem é”. A Gestalt-terapia, ao integrar a filosofia dialógica de Buber, compreende a psicoterapia não como correção de falhas, mas como encontro curativo, onde terapeuta e cliente se descobrem parceiros no processo de integração e florescimento humano.

A Psicoterapia Dialógica, concebida por Richard Hycner a partir da filosofia de Martin Buber, insere-se no movimento da Psicologia Humanista como uma proposta que recoloca a relação no centro do processo terapêutico. Ao invés de sustentar-se em técnicas pré-definidas ou objetivos cristalizados, a abordagem valoriza a mutualidade do encontro Eu-Tu, considerando-o essencial para a possibilidade de cura. É nesse espaço relacional que se torna possível tecer novamente os fios interrompidos do diálogo humano, restaurando a capacidade de contato tanto consigo mesmo quanto com os outros. Como observa Moreira (2010), o encontro é o cerne do tratamento; nele, o terapeuta se oferece como presença genuína e disponível, não como alguém que aplica procedimentos, mas como um parceiro que se deixa afetar pela experiência.

Segundo Hycner e Jacobs (1997), a busca por terapia surge quase sempre de diálogos perturbados, de rachaduras no tecido das relações humanas. Quando uma pessoa se vê incapaz de falar com clareza de si mesma, ou de ouvir verdadeiramente o outro, instala-se uma fragmentação que gera sofrimento. O papel do terapeuta, portanto, é o de facilitar o restabelecimento da comunicação autêntica, caminhando numa “vereda estreita” entre objetividade e subjetividade. Essa metáfora aponta para a delicadeza do processo: de um lado, é necessário manter rigor e clareza; de outro, é fundamental abrir-se para o mistério da singularidade que se revela a cada encontro.

A dimensão da alteridade ocupa um lugar central nesse modelo. Inspirado por Buber, Hycner sustenta que a relação terapêutica não pode reduzir o cliente a um objeto de estudo ou a um conjunto de sintomas. O outro deve ser reconhecido como um “Tu”, uma presença plena diante de mim, que me interpela e me transforma tanto quanto eu a transformo. Nesse sentido, a psicoterapia dialógica é também um convite a abandonar pretensões de neutralidade ou de controle absoluto do processo, reconhecendo que a cura nasce da reciprocidade. O terapeuta se expõe como ser humano, e é nessa abertura que se torna possível o diálogo genuíno.

A confirmação é um dos pilares desse modo de estar-com. Hycner retoma a ideia buberiana de que cada pessoa precisa ser reconhecida em sua singularidade, não apenas tolerada ou aceita de forma genérica. Confirmar significa ver o outro naquilo que ele é, inclusive em suas contradições, em sua dor e em seus desejos, acolhendo-o sem reduzi-lo a categorias abstratas. Essa atitude ultrapassa a simples escuta empática: trata-se de uma resposta viva, que transmite ao cliente a certeza de que ele não está sozinho em seu sofrimento. Ao ser confirmado, ele pode reconhecer-se mais claramente, reconstruindo a confiança em sua própria voz.

Esse reconhecimento só é possível quando o terapeuta se coloca em presença. A presença, neste contexto, não é apenas estar fisicamente diante do cliente, mas uma disponibilidade integral, corporal e afetiva. É oferecer-se de modo inteiro ao encontro, sem distrações ou reservas, permitindo que aquilo que emerge seja verdadeiramente compartilhado. Estar presente é resistir à tentação de interpretar apressadamente, de preencher silêncios ou de impor direções; é sustentar o campo de diálogo mesmo quando ele se torna incômodo ou desafiante. Essa atitude exige coragem, pois significa abandonar a segurança das técnicas para confiar no processo vivo do encontro.

A psicoterapia dialógica também se abre para o uso de experimentos. Para Hycner, o experimento surge organicamente da relação, como uma extensão do diálogo em curso. Pode manifestar-se em um silêncio compartilhado, em uma dramatização espontânea ou até mesmo em um gesto corporal que ganha sentido no aqui-e-agora. O importante não é a forma, mas a autenticidade com que se cria um espaço para que o cliente se veja de novas perspectivas. Assim, o experimento não é uma ferramenta, mas um acontecimento relacional que se constrói conjuntamente.

Outro aspecto fundamental é o cuidado. Cuidar, na perspectiva dialógica, significa aproximar-se do outro com delicadeza, respeitando seu ritmo e seus limites, sem pressa de curar ou corrigir. O cuidado é a expressão ética da presença, pois só pode acontecer quando o terapeuta se compromete com a vulnerabilidade do cliente, sem se colocar em posição de superioridade. Esse cuidado não é paternalista, mas sim um acompanhamento atento, que busca sustentar o campo de confiança necessário para que o diálogo floresça.

Nesse sentido, o terapeuta se torna testemunha e companheiro de jornada. Ele não se limita a analisar, mas se envolve como alguém que participa da experiência, que arrisca sua própria humanidade no encontro. Essa é a radicalidade da psicoterapia dialógica: ela se funda na confiança de que o simples, embora profundo, ato de estar-com já tem em si um potencial transformador. Ao renunciar a certezas prévias, o terapeuta abre espaço para que a verdade do cliente emerja, não como um dado objetivo, mas como uma revelação construída na relação.

O resultado desse processo é uma vivência que reconcilia o cliente com a possibilidade do diálogo genuíno. Em vez de buscar respostas prontas, ele reaprende a confiar na própria voz e a escutar o mundo ao seu redor. O sintoma, nesse horizonte, é compreendido como expressão de um bloqueio no fluxo do diálogo, e a cura, como restabelecimento da capacidade de estar em relação. Assim, a Psicoterapia Dialógica de Hycner mostra que o encontro humano, quando vivido com autenticidade, confirma não apenas a existência do outro, mas também a minha, permitindo que ambos se transformem na trama viva do diálogo.

A etimologia nos ajuda a compreender a riqueza do termo “presença dialógica”: “presença” vem do latim praesentia, que significa literalmente “estar diante”, enquanto “dialógica” deriva do grego dialogos, “discurso através de”. Quando falamos em presença dialógica, referimo-nos a uma qualidade de abertura diante do outro, que vai muito além de simplesmente escutar. Trata-se de uma experimentação plena, de uma permissão para o encontro e para a influência mútua, em que a pessoa se disponibiliza inteira e consciente no aqui e agora, favorecendo um espaço de conexão profunda. Essa atitude convoca lucidez, responsabilidade e genuinidade no sentir, agir, pensar e falar.

Na psicoterapia, a presença dialógica sustenta uma troca que transcende a dinâmica de entrevista, instaurando um envolvimento autêntico e ético. O terapeuta não dirige nem controla o fluxo, mas acolhe o que emerge da relação, criando condições para que o cliente acesse partes de si que foram negadas ao longo da vida. Esse encontro não se reduz a representações transferenciais ou projeções solipsistas: é contato real, aqui e agora, no qual dois seres humanos se afetam mutuamente como seres-no-mundo-com-o-outro. É evidente que padrões automatizados se manifestam, mas eles são entendidos como componentes do contato, e não como sua essência (Lessa; Sá, 2006).

Cardoso (2013) explica que a autenticidade do encontro, aliada à confiança fundada na awareness, oferece ao cliente uma experiência de crescimento distinta das relações nas quais só é aceito se desempenhar um papel preestabelecido. A postura receptiva do terapeuta, ao encorajar a diversidade de modos de ser, cria condições de segurança (autossuporte) e de disponibilidade para se relacionar. Tal postura não pode ser nem excessivamente passiva, a ponto de transformar o terapeuta em mero observador, nem excessivamente ativa, a ponto de torná-lo diretor da relação. Ela requer que o terapeuta acompanhe o cliente em sua jornada de autodescoberta, respeitando seu ritmo e singularidade, permitindo-se também ser tocado por esse processo (Cardoso, 2018).

O cliente compartilha aquilo que tem de mais precioso: sua intimidade, com dores e delícias de ser quem é (Cardoso, 2018). Presença dialógica, portanto, não é técnica eventual, mas forma de ser e de se relacionar. Ribeiro (2017) adverte que impor ideais de comportamento ou espontaneidade pode ser perigoso e frustrante, pois o cliente não resiste ao terapeuta, mas defende-se da própria angústia. Nessa direção, o psicoterapeuta precisa adotar uma atitude empática e interessada, evitando tanto a proteção excessiva quanto a punição, criando espaço para que o cliente viva suas tensões com segurança, sem medo de se destruir.

Cada sessão é única e irrepetível, convocando do terapeuta criatividade e flexibilidade, como sublinha Ribeiro (2007), ao defini-la como arte, técnica e ciência. Pinto (2016) reforça que o terapeuta não deve ter aprioristicamente um destino para o cliente, mas acompanhá-lo até onde ele possa ir naquele momento, reconhecendo que a resistência não deve ser combatida, mas respeitada como limite do agora. Não existem regras fixas: a ação do terapeuta nasce da experiência imediata do cliente (Ribeiro, 1999). Por isso, técnicas só têm sentido quando emergem do contexto vivido, e não como truques artificiais de intervenção (Ribeiro, 2017).

Essa perspectiva clínica, que se opõe à ideia de intervenção como modificação intencional sobre o outro, enfatiza o “ficar com” o cliente. Não se trata de socorrê-lo, mas de sustentar sua angústia, realçando conflitos ao invés de amortizá-los. O papel do terapeuta é oferecer presença de cuidado que não controla nem decide pelo cliente, mas auxilia-o a assumir sua própria autonomia (Cardoso, 2013). Holanda (2014) lembra que uma postura fenomenológica implica acompanhar sem se misturar, sem projetar, sustentando o processo do outro sem interferir nele. Como um jardineiro que cultiva a terra para que a planta floresça por si, o terapeuta não cria o ser, mas cria condições para que este manifeste suas potencialidades (Holanda, 2014). A responsabilidade última é do cliente, e o desafio do psicoterapeuta é sustentar essa responsabilidade até que ele próprio a assuma (Perls, 1977).

A psicoterapia, assim, é um processo de envolvimento, no qual terapeuta e cliente se encontram numa relação profunda. O primeiro não é salvador, mas acompanhante, alguém que se expõe ao impacto do encontro. Ribeiro (2017) adverte que não respeitar o ritmo do cliente é forçá-lo a seguir ideais alheios, correndo riscos de ruptura. A cura, nesse contexto, não vem do terapeuta, mas da relação e da capacidade do cliente de se reconectar com sua experiência, recuperando a dimensão afetiva e emocional negligenciada. O terapeuta facilita esse processo ao respeitar a vontade soberana do cliente em suas escolhas (Ribeiro, 2017).

Juliano (1999) descreve o terapeuta como acompanhante de uma grande jornada, que retorna transformado. Estar em silêncio, muitas vezes, é também uma forma de presença, pois o silêncio pode ser nutritivo e expressivo (Ribeiro, 2017). A atitude fenomenológica exige humildade, desapego da onipotência e disposição para sustentar o não saber. Mais do que aplicar técnicas, trata-se de “ver beleza” no cliente, reconhecendo-o como totalidade e não como sintoma (Ribeiro, 2016). O cuidado é a essência desse encontro, e cuidar é reconhecer a dignidade do outro, investindo na sua diferença e singularidade.

O relacionamento é, portanto, a alma da psicoterapia, sendo através dele que os conflitos podem ser revividos com menos trauma (Ribeiro, 2017). Essa relação é horizontal, transformadora para ambos. Como lembra o mesmo autor, o psicoterapeuta também se torna cliente de seu cliente, discípulo de seu discípulo, aprendendo e se transformando no processo. Acolher, confirmar e sustentar não são gestos acessórios, mas a base mesma do processo terapêutico.

Hycner e Jacob (1997) ressaltam que o objetivo da terapia é restaurar o diálogo. O diálogo genuíno pode acontecer até em silêncio, e não pode ser forçado: ele emerge no espaço do “entre”, no qual singularidades se reconhecem mutuamente. A psicopatologia, nesse sentido, é vista como ausência de confirmação, que gera interrupções do contato. Somos, desde cedo, marcados pela necessidade de confirmação, e, sem ela, criamos “falsos eus” para sobreviver (Laing, 1965). A tarefa da terapia é, portanto, oferecer uma experiência de confirmação que permita ao cliente retomar o caminho de si mesmo.

Esse cuidado não é diretivo, não prescreve caminhos, mas sustenta o cliente diante de suas possibilidades existenciais. Heidegger diferencia entre “substituição” e “anteposição”: enquanto a primeira retira do outro a responsabilidade, a segunda o coloca diante de si mesmo. É nessa segunda atitude que se funda a prática fenomenológica. O terapeuta, como jardineiro, não produz a planta, mas cria condições para que ela cresça (Cytrynowicz, 1997). Na Gestalt-terapia, portanto, a pessoa é a figura e o sintoma é o fundo; não se trata de eliminar sintomas, mas de ressignificá-los na relação (Ribeiro, 2021; Pinto, 2016).

Nesse processo, o campo relacional é cocriado no aqui e agora. O terapeuta se empresta, oferecendo sua carne, sua presença encarnada, para que experiências não assimiladas possam emergir e ser integradas (Francesetti, 2021). Isso inclui a dimensão espiritual, entendida como transcendência do profano, ou seja, daquilo que carece de sentido. O sagrado emerge quando uma experiência é ressignificada e ganha profundidade. Assim, a Gestalt-terapia é também espiritualidade vivida na carne, encontro que transcende a técnica e a teoria para revelar o essencial do humano (Ribeiro, 2022).

A psicoterapia se sacraliza quando cliente e terapeuta se reconhecem mutuamente como únicos e irrepetíveis, quando a relação se torna espaço de cuidado, confirmação e transformação. Não é a aplicação de técnicas que cura, mas a qualidade do encontro, que permite ao cliente redescobrir seu poder de lidar consigo mesmo. O psicoterapeuta não salva nem direciona, mas acompanha, confirma e sustenta. Nessa experiência dialógica, o que se revela é a beleza da alteridade, e o que se constrói é um espaço sagrado, no qual ambos se transformam.

O coração pulsante da clínica gestáltica: a confirmação, o sagrado, o encontro. Aquilo que acontece entre dois seres quando cessam as defesas, quando os papéis se dissolvem e o que resta é apenas eu e tu. Na clínica, confirmação não é bajular, elogiar ou dizer ao outro que ele está certo. É algo muito mais profundo. Confirmar é sustentar o outro como legítimo em sua experiência, é dizer silenciosamente: “Você pode ser como é. Pode sentir o que sente. Pode levar o tempo que precisar.” É amor em forma de presença. Confirmar é convidar o ser a emergir.

Cada pessoa que se senta à nossa frente traz um mundo inteiro comprimido no peito. Carrega defesas, mecanismos, máscaras. Antes de qualquer movimento em direção à mudança, precisa de uma permissão silenciosa: a permissão de existir. Na Gestalt, acreditamos que a transformação só acontece quando o organismo se sente suficientemente seguro para emergir, e isso não ocorre sob julgamento. A crítica paralisa, a comparação asfixia, a pressa anula. O excitamento — aquele primeiro impulso vital rumo ao contato — só floresce em uma atmosfera de aceitação radical.

Se você deseja que o outro mude, permita primeiro que ele seja. Que sinta a dor sem ser arrancado dela, que chore sem ser apressado, que se cale sem ser empurrado a falar. Pois o maior medo é ser rejeitado ao se revelar. E quando ele percebe que você permanece, começa também a se permitir.

A cura não é um ato técnico, mas um ato sagrado. O mundo vive, em grande parte, no profano — no automático, no superficial, em palavras e gestos repetidos que não tocam nada. A clínica, quando verdadeira, rompe com isso. Ela não é apenas um espaço de fala: é um santuário de presença.

Martin Buber nos presenteou ao diferenciar as relações Eu-Tu das Eu-Isso. Na relação Eu-Tu, o outro não é objeto nem função, mas mistério. Não o uso, não o analiso, não o reduzo a diagnóstico: eu o encontro. É nesse encontro que a cura acontece — não porque eu tenha as respostas, mas porque me coloco inteiro, aceito o risco do real e me permito ser afetado.

O sagrado na clínica não se revela em incensos, mantos ou palavras bonitas, mas na densidade do silêncio, na sustentação do olhar, no toque — verbal, corporal ou energético — que não molda, mas acompanha. É no tempo que desacelera que a neurose se desfaz, não porque foi combatida, mas porque foi acolhida.

Confirmar é um ato revolucionário. Ajudar alguém a mudar começa pelo não desejo de mudá-lo. Sustentá-lo em sua inteireza — mesmo quando desconfortável, feia ou desesperada — faz nascer a confiança. E, quando o outro se sente visto, não como gostaria de ser, mas como é, abre-se a possibilidade de desejar o contato pleno consigo e com o mundo, sem esconder-se. Esse desejo é o início da cura.

E como trazer o sagrado para a sessão? Entrando inteiro, não como um papel ou função, mas como um ser humano que escuta, sente e respira junto. Desacelerando, confiando no ritmo do campo, sem correr para interpretações e insights. Sustentando o silêncio, reconhecendo-o não como vazio, mas como útero onde o novo se forma. Permitindo-se ser tocado, sem fazer da neutralidade um muro. Reverenciando cada sessão como única, como se fosse a primeira e a última.

Ninguém se transforma porque foi convencido, mas porque, pela primeira vez, não precisou fingir. Porque encontrou uma presença que não exigiu mudança, mas sustentou a possibilidade dela. Isso é confirmação. Isso é o milagre do contato. Isso é a semente da liberdade.