A sessão começa no instante em que o cliente cruza a porta. Seu primeiro gesto, o ritmo dos passos, a respiração – tudo já revela algo sobre seu estado interior. Cabe ao terapeuta uma escuta atenta ao que emerge desde o primeiro contato. O ponto de partida é sempre o cliente: como ele chega? O que carrega no corpo, no olhar, na postura? Cada detalhe é matéria-prima viva, e dela pode se desdobrar, organicamente, o processo terapêutico.
Uma forma simples de abrir o encontro é convidar o cliente a se conectar consigo mesmo. Perguntas abertas como “Como eu lhe encontro neste momento?” favorecem a presença sem exigir um conteúdo elaborado. O processo terapêutico pode ser retomado como referência: “Algo da última sessão permaneceu reverberando?”, “O que mudou desde nosso último encontro?”. E quando faltar direção, o próprio aqui e agora pode ser invocado: “O que está acontecendo entre nós neste momento?”.
O terapeuta precisa estar atento ao que se apresenta no campo. Pequenos gestos e expressões, muitas vezes negligenciados, podem se tornar portas para questões profundas. O que parece disperso, especialmente para iniciantes, frequentemente contém significado. O segredo está em seguir o fluxo com curiosidade e presença, sem forçar a direção.
Mesmo quando o cliente chega sem saber o que dizer, essa ausência não é um obstáculo, mas um fenômeno digno de atenção. Em Gestalt-terapia, trabalha-se com o que está presente – e a dificuldade de trazer um tema já é, por si só, um dado importante. Em vez de buscar preencher o espaço com conteúdos prontos, o terapeuta pode explorar o que está vivo: “O que você percebe agora, enquanto tentamos encontrar algo para dizer?”.
Até mesmo um “não sei” pode ser um ponto de partida. Pode apontar para medos, bloqueios, dificuldades de contato com emoções mais profundas. Perguntas como “Como é para você não saber?”, “Isso se repete em outras áreas da sua vida?”, “O que acontece internamente quando você tenta encontrar algo para trazer?” ajudam a iluminar esse lugar.
O silêncio, muitas vezes temido, é um recurso terapêutico potente. Sustentá-lo, em vez de apressar sua quebra, pode oferecer espaço para que algo verdadeiro emerja. O cliente precisa sentir que não será pressionado, que pode se escutar sem urgência. O silêncio não é ausência de contato, mas expressão legítima do que se passa no campo. Pode ser pausa, digestão, resistência, medo – ou tudo isso junto. O essencial é reconhecê-lo como figura e acolhê-lo com respeito, não atropelá-lo.
Para o terapeuta, especialmente o iniciante, o silêncio pode provocar desconforto. Surge, muitas vezes, o impulso de preenchê-lo com perguntas ou interpretações. Mas é preciso suportar esse desconforto, pois ele diz mais sobre o terapeuta do que sobre o cliente. Nessas horas, é fundamental voltar-se para si: “O que estou sentindo neste espaço sem palavras?”, “Qual a necessidade que me move a intervir agora?”. Talvez o silêncio esteja revelando uma expectativa inconsciente de que a sessão deva ser guiada por falas contínuas. No entanto, na clínica gestáltica, os momentos mais transformadores costumam nascer justamente do silêncio sustentado com presença.
O papel do terapeuta não é preencher o vazio, mas oferecer o campo necessário para que algo verdadeiro se forme. Isso exige firmeza interna. A ansiedade diante do não saber precisa ser acolhida – do contrário, o terapeuta corre o risco de agir por si, e não em função do campo.
João entrou na sala com um meio sorriso – desses que escondem mais do que mostram. Perguntei: “Como você chega hoje?”. Ele respondeu sem hesitar: “De carro”. Uma piada, uma fuga, uma barreira mascarada de leveza. Fiz uma pausa e devolvi: “Você é sempre piadista.” Ele não riu. Apenas respirou fundo e, com uma sinceridade desconfiada, disse: “É mais fácil fazer piada do que ser honesto.”
Não pressionei. Disse apenas: “Aqui você pode ser honesto.” Ele desviou o olhar e murmurou: “Tá tudo bem.” Mas nada em sua expressão sustentava aquelas palavras. A voz, a postura, o olhar vazio – tudo denunciava um peso não nomeado.
Acompanhei com calma: “Pensei que aqui você pudesse ser honesto.” Ele suspirou profundamente. Antes da mente estar pronta, o corpo falou. Captei esse instante: “O que aconteceu aí agora?”. Ele desviou. Falou de outra coisa, buscou refúgio nas palavras. E eu permaneci com ele, sem exigir. Até que, novamente, uma respiração pesada. Nomeei: “Olha aí, outra suspirada.” Ele hesitou, mas não fugiu: “Tá pesado. Tô sentindo muita angústia.”
Foi o primeiro fio de algo mais profundo. Convidei: “Me fala dessa angústia.” Ele tocou no tema da faculdade, ainda com cautela. Falava, mas sem mergulhar. Respeitei o ritmo. Em certo momento, arrisquei: “Parece que, apesar de estar rodeado de gente, você tem se sentido muito sozinho. Você se sente assim?”
Ele silenciou. Depois, olhou-me e disse: “Tem uma música que tenho escutado muito esses dias.” Pedi que mostrasse. Ele colocou para tocar. Escutei atentamente e destaquei um trecho que me chamou atenção. Ele balançou a cabeça, confirmando algo para si. E então, chorou.
Depois de trinta minutos de sessão, sem pressa, algo se abriu. A música, o silêncio, o espaço — tudo permitiu que ele se encontrasse consigo mesmo, sem precisar se esconder atrás de uma piada. Após se recompor, falou com verdade. Compartilhou como se sentia pequeno diante da faculdade, a distância dos colegas, o peso da autocobrança, o medo de se ferir nas relações.
Escutei com atenção. Quando ele se calou, perguntei: “Você acredita que seja o momento de tentar um primeiro passo?”. Ele respirou fundo e, com um sorriso de canto, respondeu: “O que é um peido pra quem já tá cagado?”
Rimos. O peso não desapareceu, mas algo se moveu. A tensão cedeu espaço para uma possibilidade de ação: um passo pequeno, mas real, em direção à conexão.
Essa sessão ilustra algo essencial: a terapia não é um interrogatório, nem um desnudamento forçado. É um encontro entre presença e espera. Entre oferecer espaço e respeitar o tempo do outro. João ocupava aquela posição por razões legítimas. Se eu o retirasse dali antes da hora, sufocaria algo que ainda lutava para emergir. Ele precisou de tempo, de um ritmo que fosse dele. Se eu tivesse atravessado suas defesas precocemente, ele teria se fechado ainda mais. Mas ao acompanhá-lo com humanidade, permitindo que caminhasse no próprio compasso, ele encontrou, por si, um caminho para dizer o que precisava ser dito.