Na clínica gestáltica, o espaço terapêutico se torna um terreno de desvelamento das defesas, onde o terapeuta, com compaixão e firmeza, convida o cliente a reconhecer o vazio como um campo fértil de transformação. Criar esse campo exige que o terapeuta sustente a tensão do contato sem buscar apressar o alívio da angústia. O objetivo não é amortecer o conflito, mas torná-lo visível. Como lembra Ribeiro (2017), é fundamental que o terapeuta renuncie ao desejo de “salvar” o cliente de sua dor, superando o “complexo de onipotência” e a ilusão de deter respostas — ainda que sob o disfarce da competência.
Cardoso (2018) alerta que o desejo por resultados, mesmo quando movido por boas intenções, pode induzir o terapeuta a apressar o processo, impedindo a escuta profunda do vazio. Já Zinker (2007) observa que muitos clientes oscilam entre o desconforto seguro daquilo que já conhecem e o desejo de mudança. Se o terapeuta força a transformação, o cliente tende a se apegar à segurança, resistindo ao novo. Assim, quando surgem dilemas significativos — como uma mudança de carreira ou o fim de um relacionamento —, cabe ao terapeuta acolher com escuta e silêncio intencionais, permitindo que o cliente encontre, em seu próprio tempo, respostas coerentes com suas necessidades mais autênticas. Como lembra Perls (1979): “Não apresse o rio, ele corre sozinho.”
Diante de emoções intensas ou temas complexos, o terapeuta pode se deparar com sua própria dúvida. A indiferença criativa, aqui, se torna um convite para permanecer nesse terreno incerto, não como sinal de inépcia, mas como expressão de abertura. O “não-saber” se transforma em terreno fértil, onde novas percepções podem emergir. Quando o cliente expressa sensações indefinidas como angústia ou confusão, o foco se desloca da explicação para a experiência direta: o corpo, a respiração, os pensamentos espontâneos. Perguntas como “Onde você sente isso no corpo?” ou “Se o vazio pudesse falar, o que ele diria?” tornam-se convites ao contato com o que ainda não foi dito.
Segundo Rodrigues (2011), permitir-se ficar vazio exige maturidade e fé na força da vida. Nesse processo, o terapeuta sustenta a ansiedade que acompanha o contato autêntico, enquanto o cliente, ambivalente, deseja alívio mas teme a mudança. Cabe ao terapeuta espelhar os bloqueios, nomear os gestos e revelar o impasse como possibilidade de travessia: “Você percebe o que está fazendo agora?”, “O que está tentando evitar?”, “E se você permanecesse aí por mais um instante?”
A frustração, nesse contexto, não é castigo, mas ferramenta de autenticidade. Ao frustrar a expectativa inconsciente de salvação, o terapeuta devolve o cliente a si mesmo. Essa frustração, feita com precisão e cuidado, rompe o ciclo de manipulação e convida ao risco, ao presente vivido, ao contato genuíno. A clínica gestáltica não oferece conforto prematuro, mas campo fértil para que o cliente experimente emoções congeladas — como raiva, amor ou vergonha — por meio de experimentos, dramatizações, uso da cadeira vazia, do silêncio e da presença.
O cliente deixa de ser espectador da própria história para tornar-se autor. Ele começa a perceber que sua zona de conforto, antes vista como proteção, é uma prisão sutil que restringe o crescimento. O terapeuta, então, não o retira do desconforto, mas o ajuda a integrá-lo. Ao vivenciar o que emerge sem fuga, o cliente acessa o que foi alienado, flexibiliza o que estava rígido e reabre os caminhos do fluxo vital. Atravessar é a única superação possível. E o terapeuta, firme e amoroso, caminha ao lado, confiando no organismo — que saberá o que fazer se puder ver. E ver, por vezes, dói. Mas ver é crescer.
A neurose, porém, tende a sabotar o processo. O cliente evita o impasse e exige do terapeuta validação de seus ressentimentos ou orientação prescritiva, eximindo-se da responsabilidade. Quando o terapeuta se recusa a reforçar padrões evitativos, e aponta os modos como o cliente escapa de si, algo se desloca. Surge um convite à mudança. A frustração se torna, aqui, uma forma de apoio legítimo. E o terapeuta precisa abandonar a persona do “bonzinho”, pois validar tudo não é acolher — é anestesiar. Perls (1977) adverte que o terapeuta que tenta salvar o cliente corre o risco de ser engolido pela própria neurose do outro. A verdadeira mudança só pode emergir de dentro.
Fritz Perls, reconhecido por sua habilidade em frustrar com precisão, via na frustração uma oportunidade legítima para que o cliente reencontrasse sua potência. Frustrar, na Gestalt-terapia, é tocar as manobras neuróticas com firmeza e presença, interromper as fugas e sustentar o cliente no campo do contato. É o “não” que não humilha, mas revela. É a devolução de si a si. O cliente deseja escapar ileso, mas a cura está na ferida. Quando ele abandona a luta contra a ansiedade e passa a escutá-la com honestidade, ela deixa de ser ameaça e se transforma em bússola.
Frustrar, então, é retirar a bengala que sustenta o ciclo neurótico. É devolver ao cliente o gesto que ele tenta esconder, mas também mostrar. A frustração clínica abre espaço para o contato verdadeiro — aquele que envolve silêncio, tensão e coragem. O terapeuta pode ser rejeitado, até odiado, mas precisa sustentar sua presença, confiando na potência do outro. Amor, aqui, é um gesto radical: não pactuar com a mentira.
Dusen (1977) reforça que a frustração clínica é um ato de evocação do real. Para ele, a psicoterapia não se apoia em teorias distanciadas ou simbolismos vazios, mas na presença entre duas humanidades que se transformam mutuamente. A doença mental, sob essa ótica, é muitas vezes resultado do afastamento da responsabilidade. O terapeuta devolve agência ao cliente com firmeza: “Olha aí, de novo, você tentando se apoiar em mim.” É no campo vivo da sessão — nos sinais do corpo, nos olhos marejados, na voz trêmula — que algo verdadeiramente transformador pode emergir.
Joyce e Sills (2016) sintetizam que a cura começa quando a experiência é trazida à consciência e vivida diretamente. Perls (2002) destaca que a capacidade de sustentar emoções indesejadas é condição para a transformação. Esse processo, como lembra Pinto (2016), exige do terapeuta a disposição de caminhar sem receitas e do cliente a coragem de se encontrar com autenticidade.
A clínica gestáltica sustenta o paradoxo entre apoio e frustração. Perls (2012) afirma que é nesse equilíbrio que a prática se torna verdadeiramente eficaz. Mas isso exige escuta refinada, sensibilidade ao momento, avaliação do vínculo e do autossuporte do cliente. Nem toda defesa deve ser frustrada de imediato. Quando a frustração ocorre com tempo e precisão, transforma o desconforto em trampolim para a mudança. O sofrimento, então, não é um erro a ser corrigido, mas um campo que pede enfrentamento.
Sustentar a ansiedade com presença é o coração do processo terapêutico. A frustração, aqui, rompe automatismos e abre espaço para a escolha consciente. Evitar o conflito, por outro lado, inibe a criatividade do self. A terapia, então, precisa reconectar o vivido, confiando na autorregulação do organismo. Quando a tensão é acolhida, o indivíduo se transforma: em sua relação consigo, com os outros e com o mundo. Perls (1977) afirma que é no novo conflito criativo que reside a aventura de viver.
Zinker (2007) destaca que a terapia não elimina conflitos, mas canaliza sua energia. Perls, Hefferline e Goodman (1997) veem a clínica como espaço de autorregulação em emergências seguras. Nela, o cliente é conduzido ao centro da crise, até que possa se reorganizar. A tensão, desde que aguda mas manejável, é a semente do ajustamento criativo. As soluções verdadeiras não vêm de respostas prontas, mas da travessia autêntica do conflito.
Como afirmam esses autores, a tarefa da terapia não é dissolver o conflito, mas nutri-lo com novos elementos, até que atinja um ponto de crise transformadora. Essa é a ética do contato: não se trata de eliminar as polaridades, mas de sustentar sua dança; não de apagar a dor, mas de vivê-la até que o prazer também possa florescer. O paradoxo da mudança revela que só mudamos quando cessamos o esforço por mudar.
Assim, a terapia se torna palco de um renascimento. O velho morre. O novo gagueja. O terapeuta não salva nem julga: apenas caminha ao lado, conduzindo o cliente — com firmeza, ternura e presença — ao lugar que ele mais teme. “Fique com isso. Sinta. Atravesse.” Pois o único caminho para sair… é por dentro.