Com o tempo, divergências teóricas e pessoais levaram Fritz Perls a se afastar dos primeiros institutos de Gestalt-terapia, desenvolvendo a abordagem segundo suas próprias concepções. Essa escolha marcou uma cisão no campo, resultando em um duplo distanciamento: afetivo e teórico. No plano pessoal, Fritz e Laura já enfrentavam dificuldades conjugais desde a África do Sul, acentuadas após o nascimento de Stephen, segundo filho do casal, cujo interesse paterno foi, como o próprio Fritz admitiu, limitado. Laura relatou que ele só demonstrava afeto pelos filhos quando não precisava assumir responsabilidades, revelando sua dificuldade em manter compromissos e intimidade — traço que o acompanhou ao longo da vida. Ainda assim, o laço entre eles jamais se rompeu, mantendo-se um casamento marcado por conflitos e cumplicidade. Pouco antes de morrer, Fritz resumiu: “Com Lore tive períodos de altos e baixos no amor, mas, basicamente, nós somos colegas de viagem que possuem uma série de interesses em comum.”

No plano teórico, Fritz descreve em sua autobiografia desacordos frequentes com Laura, afirmando que ela acreditava estar sempre certa e não o escutava — uma dinâmica que, pela sua competitividade e exibicionismo, ele provavelmente também coconstruía. Essa tensão se estendia à relação com Paul Goodman: desde o início, a colaboração foi difícil, marcada por hostilidade mútua e culminando em antagonismo após a publicação de Gestalt Therapy.

Apesar de seu impacto na Psicologia, Fritz escolheu viver de acordo com suas próprias prioridades, colocando suas experiências acima dos papéis tradicionais de pai e esposo. Seu filho Stephen contou, em uma conferência, que até os dez anos conheceu o pai mais por histórias e livros do que por convivência direta — ausência que não foi acidental, mas fruto de uma decisão deliberada de Fritz. Stephen destacou que ele não deveria ser visto como herói sem falhas, mas reconhecido por seus dons profissionais, lembrando que o próprio Fritz rejeitava qualquer idealização. Ciente das renúncias e omissões que marcaram sua trajetória, escreveu: “Nesta vida não se ganha nada sem ter que dar algo em troca. Tive de pagar caro pela minha felicidade.”

Após deixar Nova Iorque, Fritz percorreu diversas cidades americanas, trabalhando em hospitais psiquiátricos, palestrando e fundando institutos em Chicago, Detroit, Toronto, Los Angeles e Miami. Em 1957, aos 63 anos, envolveu-se com Marty From, então com 32, a quem considerou a pessoa mais importante de sua vida. Nesse período, adotou um estilo errante, com abuso de drogas e vida sexual livre, até ser convencido por James Simkin, um de seus primeiros clientes, a abandoná-las.

Em 1962, iniciou uma fase de reerguimento pessoal e profissional, que incluiu uma viagem de navio ao redor do mundo por dezoito meses, na qual explorou culturas e modos de vida comunitários. Visitou Israel, percorreu o deserto, conviveu com pintores beatniks e passou um tempo no kibbutz Ein Hod. Fascinado pelos marginalizados, aproximou-se de grupos anarquistas e da Contracultura, identificando-se com o espírito dos “vagabundos de praia” e sua forma simples de viver. Influenciado por esse contato, valorizou ainda mais a presença no aqui-agora, a renúncia a papéis estereotipados e a entrega aberta às experiências — postura que levava também à clínica.

Na viagem, esteve no Japão e frequentou um mosteiro zen. Seu interesse pela filosofia oriental vinha da afinidade com a teoria de Friedlaender, que percebia como próxima ao taoísmo, e da influência de um amigo zen-budista. O zen, ramo do budismo Mahayana, enfatiza a impermanência, o desapego e o “olhar de principiante”, promovendo a suspensão de definições fixas e a prática atenta como caminho para a iluminação. Já o taoísmo propõe a integração dos opostos e a fluidez diante das circunstâncias, evitando a rigidez das autodefinições.

Embora se desiludisse com o zen — criticando sua ritualística, a reverência a estátuas e a semelhança com a psicanálise em termos de longos processos sem resultados práticos —, Fritz incorporou à Gestalt-terapia elementos dessas filosofias: a presença consciente, a integração dos opostos e a fluidez como forma de ajustamento criativo. Para ele, o vazio não era abismo, mas espaço fértil para que o novo emergisse organicamente.

Nesse período, também conheceu Jacob Levy Moreno, criador do Psicodrama, que unia teatro e psicoterapia, favorecendo expressão e reorganização emocional em grupo. Influenciado por Moreno, Fritz adotou experimentos como a técnica da “cadeira vazia”, reforçando o foco no aqui-agora e na dramatização como forma de integração de experiências.

Em 1964, aceitou o convite de Michael Murphy para ir a Esalen, centro de desenvolvimento humano na Califórnia, alinhado à Contracultura e à Psicologia Humanista. Aos 70 anos, encontrou ali receptividade para seu trabalho e experimentações, tornando-se figura central e carismática. Essa fase consolidou sua reputação, atraindo multidões e projeção midiática — inclusive como capa da Life. Contudo, percebendo o risco de diluição da essência de seu trabalho pelo sucesso comercial e pela busca de “curas instantâneas”, reafirmou que a Gestalt-terapia era um processo de crescimento demorado.

Fiel a esse princípio, deixou Esalen e mudou-se para o Canadá em 1969, fundando às margens do lago Cowichan o Instituto de Gestalt do Canadá. Ali, cerca de trinta pessoas viviam e trabalhavam juntas, aplicando a Gestalt-terapia não apenas em sessões, mas no cotidiano comunitário. Fritz relatou ter encontrado um sentimento de paz e contentamento inédito.

Em 1970, durante uma viagem à Europa para visitar museus e óperas, faleceu aos 76 anos, vítima de insuficiência cardíaca associada a um câncer pancreático. A cirurgia a que foi submetido, acompanhada por Laura, não teve sucesso. Seu legado, entretanto, continuou a inspirar gerações, marcado pela ousadia de viver e trabalhar segundo a autenticidade que pregava.

Fritz jamais foi uma figura neutra. Descrito com uma miríade de adjetivos — polêmico, debochado, exibicionista, inteligente, intuitivo, carismático, criativo, impaciente, gentil e brutal —, sua própria esposa o via como uma mistura de profeta e vagabundo. Vivia intensamente: tocava viola, patinava, pilotava, cultivava amizades e inimizades. Como escreve Ribeiro, não importa se Perls era narcisista ou louco — o que importa é que ele tentou esgotar em si as possibilidades de ser pessoa. Viveu seus desejos, assumiu seus atos, não se escondeu nem de si nem dos outros — e, nisso, foi admirável.

Para ele, a Gestalt-terapia não era apenas um método, mas uma forma viva de resistência contra a automatização da vida e a formação de neuroses. Sua proposta clínica visava abalar o status quo, restabelecendo o contato com o vazio e com a angústia existencial, fortalecendo a autonomia e promovendo uma vida com sentido — como aprendeu em suas vivências artísticas e filosóficas. Mais do que uma técnica, a Gestalt foi o modo que encontrou para não enlouquecer.

A angústia, para Fritz, era sinal de vitalidade — um sopro vindo do abismo que alerta tanto para a queda quanto para o voo. Nesse espaço, o que parecia falta se revela convite à criação de sentido. Criar sentido não é encontrar um roteiro definitivo, mas construir, passo a passo, narrativas coerentes entre o que nos atravessa e o que escolhemos fazer com isso. A clínica se torna, então, espaço de escrita: não da história final, mas da próxima frase — e, depois, da próxima.

Sua intenção era ajudar o cliente a recuperar a espontaneidade e a criatividade, abrindo caminhos para novas possibilidades existenciais. Isso fica claro em sua última obra: “Este livro […] foi escrito a partir da convicção de que o homem ainda não começou a descobrir o potencial de vida e energia que nele repousa”.

No entanto, Fritz observava que essa vitalidade frequentemente se vê bloqueada diante dos impasses — momentos em que forças internas colidem, revelando o conflito entre o desejo de crescer e o medo de arriscar-se. O impasse é a fronteira entre o conhecido e o desconhecido, atravessado por dicotomias neuróticas de identificação e alienação. Em seu núcleo, há o vazio — a percepção angustiante da transitoriedade de papéis, ideias e certezas.

Para ele, a angústia do impasse não deveria ser evitada. Não se trata de um obstáculo a ser eliminado, mas de um estado carregado de potência, pronto para inaugurar o novo. Contudo, muitos recuam. No impasse, o sujeito se vê paralisado por fantasias catastróficas — medo do fracasso, da rejeição, da loucura, da morte. Preso à beira do desconhecido, agarra-se ao que conhece, ainda que isso já não o sustente. “De repente, você não entende mais nada”, diz Fritz.

Esses impasses não se ancoram, necessariamente, em obstáculos reais, mas em fantasias que distorcem a realidade. Acreditando-se incapaz, o sujeito foge da dor do crescimento. E assim se molda a neurose: uma imaturidade sustentada pela evitação da dor. Como ele afirma, “somos mimados, e não queremos passar pelo inferno do sofrimento: conservamo-nos imaturos”.

Enquanto o impasse não é atravessado, a energia vital se enreda em lutas internas, consumindo força sem gerar movimento. Essa energia só circula nas partes do self com as quais nos identificamos, deixando zonas do ser dissociadas e vazias. O neurótico, ao evitar os impasses da existência, aliena-se de aspectos fundamentais de si mesmo. Nessa evasão, a vitalidade se dispersa, resultando em gestos vazios, sentimentos ocos e uma constante sensação de estar desconectado.

Sartre também compreendia os impasses como estados nos quais o sujeito se vê dividido entre possibilidades conflitantes, exigindo decisão e ação. Para ele, a doença mental não é falha de um “órgão psíquico”, mas o resultado de impasses não enfrentados. A psicoterapia, nesse sentido, é um espaço de questionamento, em que o indivíduo assume a responsabilidade de escolher conscientemente.

Fritz compartilhava dessa visão: o impasse é crise fértil, momento limiar em que o velho já não serve e o novo ainda não nasceu. É ali que nasce a possibilidade do salto. “É a compreensão do como você está preso que faz você se recuperar”, escreveu. Para ele, o primeiro impasse se dá já no nascimento — quando o bebê precisa respirar por si, num momento de ruptura entre apoio externo e autoapoio. Esse momento se torna um protótipo: os clichês desmoronam, os papéis se esvaziam, e a travessia começa.

A Gestalt-terapia, então, não busca aplacar o conflito, mas incendiá-lo com presença. Evitar o embate é perpetuar a neurose. As resistências funcionam como armaduras anacrônicas: protegem e aprisionam. Por isso, Fritz frustrava as estratégias de evitação de seus clientes, conduzindo-os até a beira de si mesmos — onde, enfim, poderiam se encontrar. Stevens descreve essa postura como uma brutalidade que, no fundo, era pura gentileza: “Sua brutalidade era a maior gentileza, trazendo muitos de nós ao confronto com nossos jogos”.

A psicoterapia gestáltica é, assim, uma cilada para a neurose. O terapeuta conduz o cliente, com firmeza e suavidade, aos caminhos que ele tenta evitar. Como afirma Juliano, o cliente chega pedindo ajuda para escapar da dor, mas percebe, perplexo, que está sendo conduzido justamente por entre ela.

A travessia do impasse é o caminho para recuperar a inteireza. O terapeuta não interpreta nem corrige: rastreia alienações e as acolhe. É reconhecendo e integrando essas lacunas que o indivíduo pode reencontrar funcionalidade e presença. A psicoterapia torna-se um caminho de volta à totalidade, onde o self fragmentado se reencontra no aqui-agora.

Juliano afirma: “Para Perls, a tarefa da terapia é ajudar os pacientes a se tornarem vivos para a experiência imediata”. Isso significa sustentar o risco e a angústia do vazio até que o cliente descubra, por si, um caminho autêntico. A mudança não acontece ao tentar ser o que se acha que deveria ser, mas ao aceitar, com inteireza, quem se é.

O adoecimento surge quando a pessoa não é nem quem é, nem quem gostaria de ser — e assim vagueia desconectada e insatisfeita. A psicoterapia é, então, re-significação: das coisas, das pessoas e da própria existência. Como lembra Ribeiro, mudar não é um ato de vontade apenas, mas um ato integrado, envolvendo a pessoa em sua totalidade.

Esse retorno passa pelo corpo e pelos sentidos. Fritz acreditava que o senso de direção nasce das sensações corporais, e que, ao nos fixarmos nas expectativas externas, nos dessensibilizamos. Tornar-se aquilo que se é — eis o princípio. Como sintetiza a célebre “Oração da Gestalt-terapia”: “Eu faço minhas coisas, você faz as suas. Não estou neste mundo para viver de acordo com suas expectativas, e você não está neste mundo para viver de acordo com as minhas. Você é você e eu sou eu. E se, por acaso, nos encontrarmos, é lindo. Se não, nada há a fazer”.

A verdadeira transformação só ocorre quando o cliente se esvazia das certezas que o aprisionam e se abre ao fluxo da experiência. Como no koan zen do mestre Nan-in e a xícara transbordando: é preciso esvaziar-se para poder aprender.

Essa visão inspirou Arnold Beisser a formular o “Princípio Paradoxal da Mudança”: a mudança ocorre quando alguém se torna o que é, e não quando tenta ser o que não é. O paradoxo está aí: ao aceitar plenamente o que se é, cria-se espaço para o novo emergir espontaneamente. A mudança não é esforço nem espera — é presença.

Yontef afirma que a pessoa saudável é aquela que se permite ser quem está sendo. “O que é, é”, diz ele. E Stevens complementa: “A única meta é a tomada de consciência”. O papel do terapeuta, então, é encorajar o cliente a tornar-se aquilo que estiver vivenciando agora — pois é nesse mergulho na experiência que se descobre, de forma orgânica, um novo jeito de viver.